domingo, 30 de setembro de 2012

nem sempre o caminho é sempre em frente


quando se construiu a autoestrada A1, havia troços por acabar. a interrupção da estrada e as vias alternativas estavam bem sinalizadas, acompanhadas dos respetivos sinais de trânsito proibido na autoestrada e indicação do caminho de desvio.
acontece que há sempre quem se ache mais inteligente e mais iluminado que os outros e não queira saber de avisos, de sinais, nem mesmo de barreiras a marcar o caminho proibido. 

numa dessas interrupções de autoestrada, motivada pela construção de um viaduto, um condutor e seus acompanhantes decidiram ignorar avisos, sinais e barreiras e seguir em frente. resultado: o viaduto ainda não estava concluido e o carro, seu condutor e ocupantes cairam no fosso. ninguém sobreviveu. 


à atenção de quem se acha mais inteligente que os outros e julga que só existe um caminho: em frente. às vezes esse caminho é o único que não existe.


sábado, 22 de setembro de 2012

a empregada, a união de facto e a justiça portuguesa

o velho tinha uma empregada, que lhe fazia a cama, as compras, a comida e as limpezas. e a coisa corria bem. certo dia, o velho adoeceu e a empregada, solícita, comunicou o facto à família dele, que vivia muito longe, do outro lado do mar. que ele era da família, logo, estava certa, cuidariam bem dele e essas coisas. o velho foi internado, e como exigia cuidados de mais que uma pessoa, assim que teve alta do hospital, a família providenciou-lhe um lar de excelente recorte e qualidade. entretanto, a empregada foi fazendo da casa do velho casa sua. instada a abandoná-la de livre vontade, a empregada respondia que estava em casa dela, pois que vivia em união de facto com o velho. entretanto, a idade, a doença e o destino fizeram o que acharam por bem fazer e a casa continuava ocupada pela empregada do velho.
foi preciso recorrer à justiça. o caso arrastou-se quase uma década e, finalmente, a decisão surgiu: não havia quaisquer indícios ou provas de união de facto e a empregada teria que devolver a casa aos herdeiros habilitados, entre tudo o mais, por testamento explícito. foi dado à mulher um prazo de dois anos para devolver a casa à família. os anos passaram.
e quando a família se preparava para tomar posse do que era seu, uma nova condição surgiu: era preciso mover uma ação de execução da sentença judicial. está certo. viva a justiça.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

bom para a tosse

há doentes que me aparecem carregadinhos de medicamentos, tantos, tantos, que quase não há horas no dia que cheguem para os tomar. não, não é "apenas" excesso de zelo médico, é muitas vezes o gosto ou a necessidade de recorrer a médico atrás de médico e essa coisa muito portuguesa de juntar a medicação do último médico às medicações dos médicos precedentes. de jeito que, às vezes, depois de um cuidadoso inquérito a tudo o que realmente o doente toma, é preciso suspender uma série de medicações inúteis, porque repetidas, ou prejudiciais no meio de tanta interação farmacológica. não é tarefa fácil. à uma, porque o mais certo é que o paciente vá juntar a minha prescrição à prescrição dos colegas que me precederam; à outra, porque o doente se pode sentir desamparado pela suspensão de medicamentos que tinha por essenciais ao seu bem-estar e à sua permanência no mundo dos vivos.
de jeito que às vezes me dá vontade de brincar, de me impor pelo absurdo. pego numa caixa de comprimidos e noutra e noutra, e digo ao paciente : " - olhe, estes remédios são muito bons para a tosse..."
é costume olharem para mim com ar surpreso e confuso:
" - para a tosse, doutor?..."
" - sim, para a tosse. se tomar estes medicamentos todos os dias e como deve ser, em morrendo não tosse mais..."

a maioria entende e ri-se. e os que não entendem é certo e sabido que juntam a minha medicação à que já estavam a tomar.

"se a montanha não vem a Maomé, vai Maomé à montanha"

conta-se que certo dia uns árabes renitentes pediram um milagre ao Profeta, como prova da justeza da sua doutrina. então, este ordenou ao monte Safa que viesse até si. o monte fez-se de novas e não obedeceu. Maomé não se deu por achado. virou-se para os provocadores e sentenciou: "irei eu à montanha agradecer a Deus ter poupado uma geração de obstinados ao desastre que seria se a montanha se tivesse deslocado».

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

as melhoras da morte



conheci um velho muito simpático que estava moribundo. ele soube que um dos filhos, que já cá não vinha há décadas, que residia e trabalhava num país distante, vinha propositadamente a Portugal para o ver. 
assim que chegou a Portugal, após uma visita rápida ao pai moribundo, o filho aproveitou para levar a esposa a visitar por sua vez o pai dela, que vivia longe dali num lar de idosos.
entretanto, o moribundo moribundava, nem propriamente vivo nem realmente morto.
finalmente, dias depois, ao fim da tarde, o filho regressou da visita ao sogro.
o velho moribundo acordou. vestiu-se, fez questão de ir fazer companhia à família durante o jantar. parecia animado e feliz. até bebeu um copo de vinho, coisa que não fazia há meses e meses. toda a gente estava encantada com semelhantes melhoras. no fim do jantar deitou-se. no dia seguinte, pela manhã, foi-se embora. para o descanso eterno.