terça-feira, 15 de maio de 2012

da reorganização dos serviços de psiquiatria em Coimbra

a propósito da reorganização dos serviços de psiquiatria em Coimbra e do que se vai dizendo sobre isso, pela voz dos mais lídimos representantes da psiquiatria universitária: 

tenho muita dificuldade em compreender em que diferiam as condições de alojamento, de clima, de reabilitação e dignidade humana do hospital de Lorvão, relativamente às condições do hospital de Sobral Cid ou do Centro de Arnes ou, até, de certos Departamentos mais ou menos "exemplares" de Psiquiatria e Saúde Mental, designadamente da Zona Centro e, mesmo, das existentes nas impecáveis e amplas instalações do HUC. devo dizer que estou à vontade porque os conheço todos. 
tenho também muita dificuldade em compreender em que diferem as respetivas equipas multidisciplinares, e as coisas que fazem, ou faziam, das que são feitas em setting universitário. pois, mas a questão não é essa, obviamente. a questão é de hegemonia, de toma dos lugares de direção e de fuga às filas de excedentários e da mobilidade anunciada. tudo o mais são sofismas e coisas que, para parecerem razões, se dizem por dizer. 
é claro que o futuro será dirigido por quem tem mais estatuto e títulos do que propriamente diferenças de fazer. e está certo, sempre assim foi e há de ser. pelo menos, têm mais entrada nos centros decisórios.
porém, do muito que se tem dito sobre o tema, não houve ainda uma única referência ao que se fará de diferente. apenas se promete, vagamente, que se fará melhor, ou se calha com mais "ciência" e mais "tecnologia", o que sempre se tem feito. 
Unidades de Cuidados Continuados de Psiquiatria, isso é o quê: asilos velhos com nome novo? aonde vai o tempo em que se falava de residências comunitárias, reabilitação cívica ("empowerment"), formação profissional, emprego protegido, enfim, essas coisas diferentes... e, é claro, aonde vai a Psiquiatria Comunitária, agora transformada em consultas de psiquiatria nos Centros de Saúde... 
acabar com os velhos hospitais psiquiátricos, sim, concerteza. não posso estar mais de acordo. mas se apenas mudamos os doentes, internados ou ambulatórios, de serviços velhos, onde estão adaptados, para serviços novos, onde terão de se adaptar, e transferi-los de uns sítios para os outros, muito pouco mudará efetivamente no modelo de abordagem da doença mental e menos ainda na dignidade humana dos doentes. e mais do que o genuíno interesse pelo bem estar dos doentes nesta transferência dos hospitais psiquiátricos públicos para instituições privadas - pois é disso que se trata -, estão prioritariamente em causa interesses de natureza orçamental, já que sai muito mais barato tê-los internados em instituições privadas. 
por sua vez, sai muito mais barato manter o mesmo modelo de intervenção, agora dirigido pelo hospital universitário, do que por em marcha uma reforma profunda dos serviços de psiquiatria e saúde mental. 
e para mais, este modelo "biológico" dominante é também o que mais convém aos interesses da medicina privada. mas os interesses são evidentemente respeitáveis, já que é neles e deles que vivemos. não vale a pena ser hipócrita. 
bom, e finalizando, há uma questão que, por absurda, me recuso a admitir: que esta e outras tomadas de posição da psiquiatria universitária traduzam o receio de vir a ser escorraçada para o hospital psiquiátrico que ainda sobrevive, saindo, assim do convívio com as restantes especialidades da medicina. isso, sim, seria o retrocesso completo. 

mas para salvar a própria pele não vejo necessidade nenhuma de dizer mal dos outros. 



PS: dentro de uma guerra há sempre lutas internas entre generais do mesmo exército. neste caso, a luta pelo salão das tecnologias de ponta. uma comédia.

(josé cunha-oliveira, 14-05-2012)