sexta-feira, 17 de outubro de 2008

os centros cerebrais

a psiquiatria anda maravilhada com os centros cerebrais.
por ser uma lógica de resolução controlável e quantificável de problemas, ainda que possa não ser a única ou sequer a melhor, a lógica dos fármacos e a necessidade de explicar como eles atuam faz com que os psiquiatras acreditem que, por um fármaco atuar num ou mais centros cerebrais, a causa da doença esteja no cérebro.
sendo o cérebro nada mais que uma poderosa central de relais de informação, onde são processados inputs e direcionados outputs, ainda por cima com inúmeros processos de retroalimentação locais, regionais e centrais, é difícil ser-se tão perentório quando se confunde a origem de uma informação com a central que é suposto processá-la.
imaginemos que num bairro de uma grande cidade ocorre uma catástrofe, um incêndio, uma inundação, um tumulto popular. da catástrofe, do incêndio, do tumulto, acorrem à central inúmeros pedidos de socorro, que abafam todas as informações que provêm de outros bairros. aí, o que faria o alcaide da cidade, se fosse um psiquiatra assim fundamentado? pois, simplesmente, mandava abafar o ruído que provinha do bairro, do incêndio, da inundação ou do tumulto. não resolveria o problema, silenciava-o. apenasmente.
a origem do problema seria, então e apenas, uma avaria da central. melhor: dos circuitos da central aonde acorriam os pedidos de socorro.
porque o problema do bairro incendiado, inundado ou em tumulto popular simplesmente nem teria interesse nenhum.

domingo, 5 de outubro de 2008

e=mc2

a equação pode não ser definitiva, pode faltar-lhe uma constante desconhecida em situações extremas, pode ser apenas uma aproximação, mas é palavra de sábio.
diz-nos que matéria e energia são dois pólos de uma realidade comum, regida por uma relação matemática. a energia "arrefecida" coalha em massa, da massa "aquecida" emana energia.
aqui não há princípio nem fim, não há momento fundador, a criação não existe. há só uma eternidade irrequieta, bulindo-se a si mesma, composta de mudança, tomando sempre novas qualidades.
só para nós, que estamos no centro observável da mudança que nos é dado ver, existe fim e princípio e princípio e fim.
nenhum big-bang, nenhuma palavra de deus é mais do que um dos inúmeros "princípios" e "fins" de uma eternidade buliçosa, que procuramos conter nas jaulas de que é feita a nossa linguagem.
passamos a vida a dizer o mesmo com palavras diferentes, cometendo sempre os mesmos erros lógicos: "não pode haver nada sem uma causa, logo a causa última de todas as coisas é uma causa sem causa, o big-bang, ou deus, ou a emanação de um mega-universo de onde é parido o universo que nos é dado conhecer". mas como explicar, então, o big-bang, deus, ou o mega-universo de onde deriva o universo conhecido? que significam as palavras com que dizemos as coisas?
e o engraçado disto tudo é haver leis que existem simplesmente por existir matéria e energia numa proporção matemática.
não há princípio nem fim, só há eternidade. não há deus que não seja haver tudo o que existe com as leis que tem.

é para deus que não é deus,
é para tudo o que existe com as leis que tem,
que dirijo o meu deslumbramento, a minha adoração
e o meu respeito,
ó natureza-mãe!


sexta-feira, 3 de outubro de 2008

o descasamento

a solene comitiva dirige-se ao altar. pola porta da igreja entram os consortes, seguidos dos meninos dos anéis, padrinhos demissionários, familiares e vasta cópia de amigos. chega o padre, o sacristão e os acólitos. começa a cerimónia. no coração dos rituais, o clérigo dirige-se aos consortes.

primeiro a ele:
- pensou bem no ato que vai realizar. é de sua própria e livre vontade que reconhece por sua ex-mulher a sua esposa aqui presente? e que ela possa fazer da vida dela aquilo que lhe der na real gana?
- sim, padre - respondeu o home.
seguidamente à mulher:
- pensou bem no ato que vai realizar. é de sua própria e livre vontade que reconhece por seu ex-marido o seu home aqui presente? e que ele possa fazer da vida dele aquilo que lhe der na real gana?
- sim, padre - respondeu a mulher.
- sendo assim, e sendo essa a vossa firme e livre vontade, que Deus separe o que Deus uniu e que nenhum homem ou mulher interfira com a vontade de Deus. ite, missa est.
do mesmo jeito que chegou, a comitiva organizada abandona o templo. à porta larga, sai à direita o ex-consorte, a menina do anel, os ex-padrinhos, familiares e amigos. à esquerda sai a ex-casada, o menino do anel, os ex-padrinhos, familiares e amigos.
cada uma das comitivas segue a caminho da respetiva boda. comem e bebem, cantam e dançam até de madrugada. a alegria transborda e inunda os corações. enfim livres!
no dia seguinte, passada a ressaca, tem lugar a festa de despedida de casados.
os filhos do ex-casal transbordam de felicidade: pela primeira vez, assistem a uma cerimónia de seus pais.
termina aqui um conto de fadas. e aqui começa uma outra estória.

os pais, esses, cada qual com sua nova companhia, planeiam, criativamente, um novo casamento.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

casamento?

eles são do contra, estão deliberadamente contra os hábitos da casa. não querem nada com os que ainda gostam de brincar à moda antiga, homes com mulheres, meninos com meninas. ostensivamente, chamam-se gays, palavra inglesa antiquada que quer dizer "alegre". como diríamos nós com arcaísmo equivalente: "ledos". como se nós, os que não somos gays, fôssemos "tristes", ou como se eles fossem mais "ledos" do que nós.
não querem nada conosco, mas provocam-nos. passam a vida a chamar-nos homofóbicos, pensando, talvez, que a gente não tenha mais com que se ocupar senão com eles e as suas assumidices.
por mim, passo à frente. não tenho nada com eles, nem a favor nem contra. se nos deixassem em paz com os seus complexos de marginalidade nem dávamos por eles.
pois bem, o casamento, essa instituição em decadência, essa cerimónia moribunda, essa bandeira decadente da heterossexualidade, a um tempo património, procriação e educação, fundamento e estatuto da família, não exerce já nenhuma atração especial. cuido que, verdadeiramente nem aos saudosistas.
eles, os gays, querem agora apoderar-se dele.
por mim fiquem com ele e sejam muito felizes e tenham muitos meninos, se a natureza deixar. mas se agora os gays querem casar, e com isso roubar-nos o que já nom presta, nós, os que nom somos gays, é que temos de inventar cousa melhor.


quarta-feira, 1 de outubro de 2008

maria

Maria era uma negra que vivia no hospício. ninguém sabia muito bem o que fazia a Maria naquele manicómio. consta que a sua doença era um mal-entendido cultural, mais nada. mas enfim, estava lá.
certo dia, dou com Maria a falar sozinha.
- Maria, estás a falar sozinha?... - digo eu, com alguma ternura
- Maria não fala sozinha: Maria pensa, Maria fala... e tu? tu não escreve sozinho? pensa, escreve. é a mesma coisa.

e a verdade é que eu acho que a Maria tinha razão.