quarta-feira, 18 de novembro de 2009

casamento

nos dias de hoje a discussão mais logicamente viciada é a que corre acerca do casamento homossexual. e o sofisma reside em se reinvindicar a igualdade de direitos. ora muito bem: todos nós temos direito a receber um bom salário mensal, todos nós temos direito a uma reforma excelente, todos nós temos direito a ser primeiros-ministros e assim por diante. mas qualquer desses direitos só pode ser realizado depois de observadas as necessárias condições. assim, eu tenho direito a receber um bom salário mensal, mas tenho que satisfazer as condições que estão associadas ao facto de se ter um bom salário mensal. eu tenho direito a uma excelente reforma, mas devo preencher as condições de tempo e de contribuição necessários para poder gozar uma excelente reforma. eu tenho direito a ser primeiro-ministro, mas tenho que obedecer às condições políticas, sociais e de momento que possam fazer de mim primeiro-ministro. é claro, todos temos direito ao casamento. mas seria de supor que esse direito tamém só fosse satisfeito sob as condições necessárias para se celebrar um casamento. e o que é um casamento? ao contrário do que dizem os homossexuais, eles não estão impedidos de casar. ninguém os estorva. nom podem é casar uns com os outros, tal como nom podem casar mais que duas pessoas, nem pessoas que sejam familiares em primeiro grau.
tenho para mim que a reinvindicação do direito dos homossexuais a casarem entre si é um abuso de lógica e uma forma de diminuírem e desagregarem o mundo dos heterossexuais, já de si pouco sólido. não há nenhuma lógica que resista ao absurdo de um casamento sem outra finalidade que a de gerir afetos, coisa que, como sabemos, sai facilmente pela mesma porta por onde entrou.
as uniões sentimentais não têm que ter nenhum estatuto especial, nem têm que ser alvo de nenhuma discriminação. cada qual junta-se com quem quer e gostos não se discutem. mas daí a celebrar um ato administrativo e cívico, daí a envolver o Estado, vai uma grande distância. por mais razão que aquela que os homossexuais reclamam para poderem casar, poderiam reclamar o direito ao casamento civil as uniões poligâmicas e os casais incestuosos. quem sabe quantos heterossexuais apareceriam para celebrar esse tipo de casamentos. mas os homossexuais estão primeiro...
e não venham com a estória da homofobia, porque a verdadeira fobia está no medo do encontro com o sexo oposto.
e, já agora, muito gostava eu de saber o que dirão os homossexuais da possibilidade de legalizar o casamento poligâmico e o casamento incestuoso: que são antinaturais? que são contra a família? não me façam rir...

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

corrupção e parolice

assistimos, nos últimos tempos, a uma confusão desastrada entre corrupção e atividade económica. o simples pronunciar da palavra "negócio" é produzido de uma forma subliminar de censura, como se um "negócio" fosse coisa condenável. o mesmo se passa com o acesso a "informação privilegiada", o lobbying e o "tráfico de influências". vê-se bem que ainda não saimos do estadio primário da ruralidade de subsistência, onde a corrupção, segundo esses critérios, nem sequer pode existir. um grande empresário, um grande investidor bem intencionado, afinal de contas aquele que dá esplendor e grandeza a uma economia, nom pode exercer a sua atividade sem um conjunto de pressupostos. um deles é o acesso à "informação privilegiada". seria um desastre que ele estabelecesse a sua empresa, as suas fábricas no local errado. por isso, ter acesso a tempo e horas à "informação privilegiada" que o leve a situar a sua empresa no melhor local parece-me do mais elementar bom senso. o mesmo se passa com o "lobbying" e o "tráfico de influências". ultrapassar burocracias infindas, entraves infinitos, descasos e negligências do aparelho administrativo e das vontades políticas, também me parece sensato. de outro modo, a economia não funciona. isto é assim em todo o mundo desenvolvido. mas não aqui, onde saimos há pouco tempo da idade média rural.
é claro que sou contra a corrupção. é claro que sou contra os que pagam e recebem benesses para ludibriar, enganar, prejudicar os clientes e o estado. para enriquecer mais do que permitiria o limpo e claro desenvolvimento da atividade. mas não confundo "corrupção" com "acesso a informação privilegiada", "lobbying" e "tráfico de influências". porque essa confusão nos conduz a um beco sem saída. e nos devolve, em troca, a nossa incorrigível parolice.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

a ditadura da justiça

estamos sob a ditadura da justiça, um fundamentalismo justiceiro que atropela tudo e todos. uma justiça que nem se dá ao luxo de acabar as histórias que começa. uma justiça - recorde-se - que é o único pilar do estado que não é eleito. por isso, a corrupção que vemos é geral, excepto na justiça, claro. porque, ao que parece, ninguém escuta os mais altos magistrados da justiça.
e enquanto os papalvos continuam a divertir-se com estas histórias de escandaleira, toda a cadeia da justiça se vai alimentando da mesma manjedoura. enquanto os portugueses se extasiam com este espetáculo degradante, nunca os advogados tiveram tanto que fazer, nem processos tão profissionalmente vantajosos.
a democracia portuguesa está a enveredar pelo caminho do suicídio. querer à viva força envolver o primeiro ministro em tramas sem matéria substancialmente conclusiva é o que há de mais lesivo da confiança que se requer entre os portugueses e as suas instituições. este tipo de fait divers recorrentes interessam, em primeiro lugar, aos inimigos da democracia. oxalá não tenhamos que lamentar toda esta atual sanha contra tudo o que é política e políticos. nessa altura haverá ainda mais corrupção e mais corruptos, mas não haverá notícias a dar de vender aos jornais.
quem põe travão nesta justiça sem controle? quem pode vigiar a justiça em regime democrático?

terça-feira, 27 de outubro de 2009

estratégias de marketing

cuidava eu que um ateu ou um agnóstico era ateu ou agnóstico e pronto. para um, deus não existe e do que não existe não se fala. para o outro, deus é incognoscível e do que não se pode conhecer mais vale não falar. mas eu estava era enganado. vem Saramago e desata a falar de deus e das coisas que os crentes ligam à ideia de deus, com aquela convicção própria de quem acredita que vale a pena dizer mal daquilo que não existe ou daquilo que não se pode saber se existe ou não. Saramago fala como se deus existisse mas fosse algo desagradável, repulsivo, sei lá, como se deus fosse, afinal, para ele, aquilo que o diabo é para os crentes.
o tema ainda teria algum interesse se Saramago levasse a coisa para o campo intelectual, filosófico, histórico, crítico das religiões, para o estudo sociológico, psicológico, psiquiátrico, até. mas não. Saramago faz escândalo simplesmente porque o escândalo vende livros. afinal, a técnica de Salman Rushdie e do jornal dinamarquês que publicou a caricatura de Maomé. o que conseguiram todos? vender muito e depressa. mudaram alguma coisa no pensamento dos crentes? nada, coisíssima nenhuma. nem isso lhes interessa. o que é preciso é vender muito com pouco esforço. vender o escândalo. e a religião atacada ainda vende bem. a hipocrisia dessa gente é que sem a religião não podiam fazer escândalo contra ela. não poderiam vender tanto. enojam-me. porque são eles os primeiros consumidores de religião.
afinal, a prova de que deus não existe são eles mesmos: dizem o que lhes apetece e sabem que não vão sofrer nadinha com isso.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

orgulhosamente sós

dos três grandes projetos globalizantes, que faziam a imagem de marca do Governo em funções, nem um só deu ainda um passo em frente. refiro-me à nova norma ortográfica da Língua, ao novo aeroporto de Lisboa e ao TGV.
perdidos em rodriguinhos e falsa vontade de avançar, o mínimo que se exige é que os respetivos ministros desapareçam de cena e já.
estamos fartos de ser periféricos, estamos cansados de estar orgulhosamente sós. e, sobretudo, estamos fartos dessa ideologia bacoca da economia de subsistência, que só pensa no que gasta e nunca vislumbra o que vai ganhar. por isso, somos capazes de plantar couves e batatas no quintal e criar galinhas e coelhos no saguão, mas somos incapazes de pôr de pé uma empresa de nível e pensar em grande. assim, continuaremos uns pilantras de arrabalde a caminho do estatuto de sem-abrigo.
e o pior é que esse espírito tacanho e miserável parece tudo o que os partidos de oposição teem a oferecer.
e, não criamos riqueza, não sairemos da pobreza. refiro-me, sobretudo, à que mais me dói: a pobreza de espírito. porque atrás desta vem a outra.

domingo, 7 de junho de 2009

as eleições mais chôchas de que há memória

sem que nenhum dos partidos da oposição tenha feito por isso, o PS sofreu uma derrota histórica.
não sei se ganhámos grande coisa. o completo vazio de ideias entre vencedores e vencidos, não nos devolve nenhum élan, nem nos dá qualquer especial confiança no futuro.


sabido que não se discutiu nada sobre a matéria central destas eleições, quero dizer, a Europa, não sei para que servem estes resultados.

sabido que em matéria de crise mundial, europeia e nacional nenhum partido pode fazer diferença que se veja, tamém não sei para que raio servem estes resultados.

resta um prémio de consolação: a principal diferença entre quem ganhou e quem perdeu está na forma como trata os temas fraturantes. talvez a legalização da canabis, o casamento gay, o divórcio supersónico, a eutanásia e o aborto à la carte passem a ser tratados de outra forma. menos prafrentex. e com maior consideração pelas maiorias. afinal, é isso que a democracia é.
dar voz às minorias e dignidade às suas opiniões, opções e folclore é completamente diferente de ser governado por elas.



quinta-feira, 28 de maio de 2009

advogado-deputado

ele há uma profissão tão diferente das outras que não só legisla sobre si mesma como ainda legisla de forma a aumentar a procura dos seus serviços.
não tenho nada contra eles, a quem até, como tantos milhares de portugueses, já devo serviços relevantes. mas há coisas naquela profissão que me causam séria perplexidade.
primeiro, são eles que fazem as leis confusas, pouco claras, às vezes com aquele arrecendo de ambiguidade suficiente para lhes dar diversos níveis de leitura. e sendo as leis confusas, pouco claras e ambíguas, necessário se torna o parecer, a argumentação e a habilidade para propugnar por uma interpretação em lugar da outra, conforme o lado em que se esteja da contenda. se as leis fossem apenas as suficientes, lógicas, claras e de um só sentido, a profissão ficaria muito esvaziada de matéria e de procura.
segundo, são eles que legislam sobre a forma de contabilizar os seus proventos e os dos outros e sobre os deveres para com o fisco. e aqui uma coisa curiosa acontece. ao contrário dos médicos que estão isentos de IVA, e por isso - caso o quisessem - lhes é difícil escapar à passagem de recibo, os advogados, mesmo estando mortinhos por passar recibo, estão sujeitos ao IVA. e com isso se oneram de tal modo os honorários, já de si avultados, que só um tolo masoquista exigiria recibo para ter de pagar mais uns largos milhares de euros ou de contos pelo mesmo serviço. e com isso, ainda que o não queiram, escapam estes profissionais a declarar rendimentos suntuosos e a entregar ao fisco a respetiva proporção dos rendimentos reais.
que fique bem claro: não sou contra os advogados. preciso deles como toda a gente num Estado de Direito. e tenho advogados de quem faço questão de ser amigo.
sou é de parecer que existe uma incompatibilidade de base entre ser advogado e deputado. sou contra o ser-se legislador, regulador e decisor em causa própria.

sábado, 23 de maio de 2009

os malefícios do tabaco


além do conhecido efeito protetor sobre a doença de Alzheimer, o tabaco vê reconhecido um efeito benéfico nos doentes deprimidos.
como tudo na vida, o tabaco tem cousas boas e cousas más.
entre as cousas más avulta o ser proibido fumar nos jardins da América.



imagem: poster apresentado ao 162º Annual Meeting da APA, San Francisco, maio, 2009

sábado, 18 de abril de 2009

reclamar do produto ou a sociedade de consumo

soube-se há dias que um casal adotante devolveu a criança adotada, por incompatibilidade com o cachorro da família. já tínhamos visto outros desenvolvimentos do paradigma existencial do nosso tempo: comprar e vender crianças por inteiro ou às peças. mas devolver o produto, dentro ou fora dos prazos, por insatisfação do cliente é a primeira vez.
a falta de respeito pela vida e por tudo o que é humano estende-se para além dos limites do imaginável.
e o materialismo ressequido, puro e simples, tudo transforma em coisa.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

abade Faria (1756-1819)

José Custódio de Faria, filho de Caetano Vitorino de Faria e de Rosa Maria de Sousa, nasceu em Candolim, concelho de Bardês, distrito de Goa, em 31 de maio de 1756[1] , de uma linhagem brâmane Sinai ou Shenoi, (Xenoi), da sub-casta sarawsat. os Farias de Colvale, aldeia natal do pai de José Custódio, descendiam de um brâmane saraswat[2], Antu ou Ananta Sinai, sacerdote e patil de Colvale no séc. XVI, o qual se convertera ao cristianismo adotando o apelido português de Faria. mas a linhagem brâmane e seu conteúdo social e funcional continuaram vivos na tradição familiar.
na Goa católica persistiram três castas: os brâmanes ou brahmin, os chaddo (ou kshatriya) e os sudra ou xudra. fora do sistema de castas há os kunbi, aborígenes (servos e trabalhadores sem terra), que estão abaixo dos shudra, mas acima dos dalit. em Goa o sistema de castas revelou uma persistência maior do que noutras tradições hindus, estando os preconceitos de casta profundamente enraizados na mentalidade e no comportamento social, por vezes traduzidos em poderosas intrigas e rivalidades. a ordem cristã, igualitária, teve que se adaptar à estrutura social hindu, de forma que a casta continuou a condicionar o estatuto social e a liberdade de movimentos. sacerdotes, teólogos e filósofos provinham, sobretudo, da casta brâmane, assim como os juristas, os professores, os académicos e os educadores em geral. no seu livro, José Custódio Faria, ao consignar os seus títulos, poria em primeiro lugar a sua condição de brâmane: “Brahmine, Docteur en Théologie et en Philosophie, ex-Professeur de Philosophie à l’ Université de France, etc”.
os brâmanes goeses forneciam o clero à Igreja Católica local, mas sentiam como uma ofensa a relutância das autoridades civis e religiosas em colocá-los nas posições mais elevadas da hierarquia política e eclesiástica, sobretudo quando os preteriam em favor de castas rivais de menor categoria. diz-se que às ambições de José Custódio de Faria (ou, talvez melhor, de seu pai) não era estranho o desejo de lhe fosse atribuída a mitra.
seu pai, natural de Colvale, a norte do mesmo concelho de Bardês, cedo enveredara pelos estudos eclesiásticos, completou a Teologia e chegou a receber ordens menores. mas não foi mais longe, então, por se ter enamorado da filha da abastada família "Quencró," de Condolim, com quem viria a casar. sete anos depois, o casamento rompe e Caetano Faria regressa à casa paterna, levando o filho consigo. com as devida dispensas canónicas, anula o casamento, retoma a carreira sacerdotal e torna-se padre. por seu turno, Rosa Maria ingressa no convento goês de Santa Mónica em 1764, sob o nome de Rosa de Santa Maria, vindo a ser prioresa de véu preto, um privilégio de mulheres de raça branca. daí o dizer-se que o Abade Faria era um padre filho de um padre e de uma freira.
em 1771, com 15 anos de idade, ruma a Lisboa na companhia do pai, tendo pouco depois seguido para Roma, onde estudou no Colégio da Propaganda Fide. em 12 de março de 1780 é ordenado padre. doutora-se em Filosofia e Teologia pela Universidade de Roma e regressa a Portugal, onde ganha fama de pregador eloquente[3].
em 1787, ele e seu pai terão estado implicados na “Conjuração dos Pintos”[4] contra a administração portuguesa, que a reprimiu com dureza. moveria os revoltosos o orgulho de casta, a luta por lugares cimeiros na administração política e religiosa de Goa, aquilo a que Egas Moniz, de acordo com J. H. da Cunha Rivara, chamava nativismo, ou seja, o desejo de ver substituídos por nativos de Goa os titulares de altos cargos políticos e religiosos no território. bem entendido, não se tratava de quaisquer “nativos”, mas sim de “nativos” brâmanes. outros atribuem a conjura a uma intriga de castas rivais, isto é, entre charodós, de casta sudra, e brâmanes, ambas pretendentes aos mais elevados postos da hierarquia eclesiástica e civil de Goa[5].
em 1788 vai para Paris, onde fixa residência na Rua Ponceau, nº 49[6]. no “13 do Vindimário”, em 1795, lidera uma secção de um dos batalhões que combateram a Convenção Nacional Francesa. desde a sua chegada a Paris adquire relações privilegiadas com altas personalidades da política, sobretudo da aristocracia. assim conheceu Armand de Chastenet, marquês de Puységur, seu companheiro de armas contra a Convenção e um dos fundadores do hipnotismo europeu e ocidental. há quem diga que Faria já trazia consigo muitos conhecimentos de hipnotismo, há muito conhecido e praticado nos templos da Índia. em França, tratou apenas de desenvolver, aplicar, enquadrar e validar esse velho saber.
tal como o seu mestre Mesmer, Puységur acreditava que um fluído se transferia do magnetizador para o magnetizado. Porém, chamava a esse fluído vontade, que se transmitia das mãos do hipnotizador para o corpo do sujeito.
para Faria, o sono hipnótico não é devido à intervenção de quaisquer fluídos ou poderes especiais dos operadores, mas, simplesmente, à suscetibilidade dos indivíduos sobre os quais intervém. neste tipo de fenómenos tudo dependia de causas naturais, sem intervenção de quaisquer forças misteriosas, fluídos sobrenaturais ou realidades metapsíquicas. contra as teorias fluídicas de Mesmer e Puységur, Faria escreve: “ não posso conceber como a espécie humana foi buscar a causa deste fenómeno a uma celha ou panela (baquet), a uma vontade externa, a um fluído magnético, a um calor humano, a mil outras extravagâncias deste género, quando esta espécie de sono é comum à natureza humana, através dos sonhos, e a todos os indivíduos que se levantam, andam ou falam durante o sono”.
Faria designou a hipnose por sonho lúcido, atribuindo-lhe:
- uma causa predisponente: a sugestionabilidade ou impressionabilidade do sujeito;
- uma causa imediata: a concentração (o sujeito não deve ser distraído por ruídos, estar inquieto ou preocupado, e apenas se deve ligar à ideia de sono). por isso, Faria designava o hipnotizador por "concentrador" e o hipnotizado por "concentrado";
- uma causa ocasional - a ordem dada pelo hipnotizador para dormir.

usou a hipnose para produzir sugestões hipnóticas (anestesias, paralisias, alucinações, cura de sintomas psicossomáticos) e sugestões pós-hipnóticas (ordens que o sujeito cumprirá ao acordar, decorrido o tempo fixado pelo hipnotizador).
os fenómenos hipnóticos despertaram a descoberta do inconsciente. por outro lado mostraram a existência da Censura, na medida em que o hipnotizado se mostra incapaz de cumprir sugestões contrárias à sua ética pessoal – gerando o que se pode designar como neurose experimental: um sintoma, por exemplo um tremor de mãos, impede-o de pôr a sugestão em prática.
sabe-se que a atividade cerebral, a respiração, e o ritmo cardíaco da pessoa hipnotizada são semelhantes ao estado de vigília normal, constituindo, pois, a hipnose uma variação do estado de vigília, um estado de atenção concentrada. para que ocorra o estado hipnótico é necessária a vontade de colaboração do paciente e, além disso, nada pode ser feito contra os princípios e moral do paciente.
a este respeito, Luís Santa-Rita Vas [7] conta um episódio curioso. como muitos dos seus sucessores, Faria era por vezes tentado a ir longe demais. e certo dia tentou demonstrar que era capaz de mesmerizar um canário, ordenando-lhe que morresse. Chateaubriand, testemunha do caso, conta nas Memórias de Além-Túmulo, o inesperado resultado: o abade entrou num transe auto-induzido, no qual, inversamente, era o canário que queria que ele morresse. nenhum deles morreu e Faria sobreviveu ao transe sem efeitos secundários...
as descobertas de Faria viriam a ter um papel fundamental no desenvolvimento das psicoterapias e da teoria da catarse, constituindo a base dos estudos sobre a histeria e um dos pilares fundamentais da Psicanálise.
em 1812 é eleito membro da Societé de Médicine, de Marselha, a qual, em 1848, por fusão com a Société Académique, formaria a Société de Médicine de Marseille.

em 20 de setembro de 1819, aos 64 anos de idade, morre na maior das misérias, na Rue des Orties nº 4, José Custódio Faria, professor de Filosofia. Daniel Gelásio Dalgado, considerado a maior autoridade entre os biógrafos do Abade Faria, conta, na sua Mémoire sur la Vie de l’ Abbé Faria: explication de la charmante légende du Château d’ If dans le roman ‘Monte Cristo’, que tinha ido visitar o nº 7 da Rue de Ponceau, em Paris, primeira morada conhecida do Abade Faria. ao conversar com o porteiro do prédio, Dalgado falou-lhe do ilustre compatriota alto e esguio que vivera naquela casa por volta de 1792. o porteiro nem queria acreditar que o Abade Faria alguma tivesse tido uma existência real, fazendo como fazia dele a imagem ficcional do Monge Louco, de Dumas.

por diploma legislativo de 2 de abril de 1959, o hospital psiquiátrico do Altinho, em Pangim, passou a designar-se Hospital Abade Faria.

_______________________________
notas:

[1] outros indicam 30 de maio. no entanto, em Candolim, a lápide indicativa do local do seu nascimento informa:


Local onde nasceu
aos 31 de maio de 1756
o genial criador
do
hipnotismo científico
Pe. José Custódio Faria
conhecido no mundo culto por
Abade Faria
”.


[2] os brâmanes saraswat são oriundos do norte da Índia. segundo as escrituras hindus, habitariam inicialmente a região do mítico rio Saraswat. espalharam-se por várias regiões da Índia, sobretudo o oeste e o sudoeste. Goa é uma das regiões onde se fixaram. dentro da sub-casta saraswat, os Sinai ou Xenoi são os mais ilustrados, estando ligados a atividades ou funções de natureza docente, administrativa, religiosa, etc.
[3] não é a opinião de Egas Moniz, que escreve: “não o fadara a natureza para sugestionar as multidões com rasgos de eloquência”. e transcreve o episódio, talvez mais lendário do que histórico, em que Dalgado relata as peripécias do primeiro sermão do Pe. Custódio: atrapalhado diante das altíssimas personalidades da Corte, sentiu varrer-se-lhe o discurso. o Pe. Caetano, seu pai, sentindo-o em graves dificuldades, acalmou-o, falando-lhe em Concanim: "kator re bahji!", uma frase idiomática que pode ser entendida como “são legumes, corta-os!”, ou como "vamos pra frente, toca a andar!". incitado com estas palavras de seu pai, José Custódio superou então os seus receios e prosseguiu a sua prédica eloquentemente. e há quem diga que ficou impressionado com o facto de uma mera frase de seu pai lhe ter mudado tão radicalmente o seu estado mental.
[4] os Farias estiveram envolvidos na procura do apoio da França a Tipu Sultão, o “Tigre de Mysore“ (1750-1799), tentando estabelecer uma aliança indo-francesa contra o domínio inglês e, por arrastamento, o domínio português em Goa. Tipu Sultão tinha aderido às ideias liberais da Revolução Francesa, tornou-se membro do Clube Jacobino e designava-se a si mesmo como “o cidadão Tipu”. mas esta contradição com as posições aristocráticas dos Faria não parece incomodar os biógrafos.
[5] Ângela Barreto Xavier, em A Invenção de Goa, escreve: “a partir do século XVIII, o grupo que se autodenominava Charodó [de casta xudra], estava a adquirir competências inesperadas, posicionando-se na vizinhança dos interesses da coroa portuguesa. não são bem claras ainda as razões subjacentes a esta aproximação, mas é inquestionável que a ela correspondeu a relativização do poder daqueles que se designavam por brâmanes”.
[6] o número do prédio alterou-se com o tempo. em 1925, quando Egas Moniz escreve “O Padre Faria na História do Hipnotismo”, o prédio tinha o nº 7.
[7] Luis S.-R. Vas, Abbe Faria: Pictorial Biography, web:
http://www.abbefaria.com/Pictorial%20Biography%20Aug%2024.htm,
acedido em 17-04-2011./


quarta-feira, 8 de abril de 2009

lobo na pele de cordeiro

a associação nacional de farmácias tem muita pena dos portugueses carenciados, tadinhos. numa campanha sem precedentes, propõe beneficiar, de uma só vez, os compradores de medicamentos e o Estado que os comparticipa, alterando a prescrição dos marotos dos médicos. esta ação de beneficência tem por móbil a venda de genéricos, mais baratos, em vez de medicamentos de marca, mais caros.
tudo bem, é claro. bom, não é tão claro assim.
a atividade de produção de medicamentos genéricos é um processo de parasitismo legal, tolerável até ao limite que não mate o organismo parasitado. baseia-se na produção de medicamentos com mais de dez anos de comercialização e com patente caducada.
a produção de fármacos novos é um processo lento, dispendioso, que mobiliza recursos e mentes muito qualificadas. a produção de cópias, sem despesas de investimento e sem direitos de autoria, rouba à indústria de fármacos de origem a capacidade e os meios de criação de novos medicamentos. a menos que os preços dos medicamentos novos suba em espiral. é o que se passa, hoje em dia: medicamentos genéricos cada vez mais baratos, medicamentos novos cada vez mais caros.
a indústria parasita de genéricos tem crescido como cogumelos, melhor, como uma praga. são sete cães a um osso. certamente, uma tal apetência só é possível porque os médicos prescrevem genéricos, caso contrário não haveria tanta proliferação de comensais. e de entre a chusma de parasitas, assoma agora a associação nacional de farmácias, que acha melhor parasitar os médicos também, roubar-lhes a patente da prescrição e traduzir a receita pra genéricos. e que marca de genéricos?
genéricos, sim, mas o que está por detrás da voracidade disfarçada de misericórdia é que há empresas de genéricos controladas pela associação nacional de farmácias. é, pois, uma predação disfarçada de caridade. um lobo disfarçado de cordeiro.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

eugenia

as preocupações “eugénicas” vêm do princípio dos tempos. vários povos utilizaram procedimentos de seleção artificial, eliminando à nascença as crianças mais fracas ou defeituosas, ou desfazendo-se dos doentes mentais, das pessoas muito doentes, dos deficientes e dos muito velhos e dependentes. entre esses povos é costume elencar os celtas, os gregos espartanos, os víquingues e os havaianos.
procedimentos comparáveis aos da eugenia humana eram já praticados na criação de animais e de plantas, pelo que não constitui surpresa que nos movimentos eugénicos participassem, ao lado dos médicos, os peritos em zootecnia e produção de sementes.
Malthus, que viria a influenciar as teorias de Charles Darwin, enunciara em 1798 o princípio de que, sem a presença de fatores que modifiquem esta relação, o crescimento populacional ocorre em progressão geométrica, enquanto que os meios de subsistência progridem numa proporção aritmética. o resultado, se não houver intervenção sobre o crescimento populacional, será a miséria e a fome. com base neste princípio, as organizações nacionais e internacionais, políticas e financeiras, começaram a intervir sobre as populações, tentando controlar a natalidade através do chamado planeamento familiar, e em alguns casos mesmo da esterilização em massa, cujo alvo eram as classes mais pobres, que se reproduzem mais do que as classes mais ricas.
assim, as preocupações oitocentistas britânicas, surgidas dos efeitos da revolução industrial, assentavam no crescente aumento populacional das classes mais pobres e na diminuição dos nascimentos nas classes mais abastadas e cultas. receava-se a degeneração biológica, e o tema enchia artigos e tratados da Medicina da época, sobretudo pela pena dos alienistas.
por “eugenia”, termo cunhado por Francis Galton em 1883, entende-se, segundo ele, o estudo dos fatores socialmente controláveis que podem melhorar ou degradar as qualidades raciais, físicas ou mentais, das gerações futuras.
depois de estudar ao pormenor 177 biografias, parte delas de sua própria família, Galton concluiu que a inteligência é predominantemente herdada e não fruto das condições do ambiente. desse modo, as classes mais ricas e mais cultas terão descendentes mais capazes e mais inteligentes do que as classes mais pobres e incultas, não por influência do meio em que são criadas, mas pela transmissão hereditária das caraterísticas favoráveis. com base nessa formulação, Galton propôs a eugenia positiva, através da realização de casamentos seletivos.
Galton era meio-primo de Charles Darwin, descendendo de matrimónios diferentes de um avô comum, Erasmus Darwin. sem dúvida, a obra “A Origem das Espécies” influenciou Galton, que, baseado na ideia de seleção natural, propôs a seleção artificial para o aperfeiçoamento da população humana.
em 1908, foi fundada em Londres a Eugenics Society, de que um dos líderes foi Leonard Darwin, oitavo dos dez filhos de Charles. depressa este tipo de sociedades proliferou na Europa e nas Américas. a Eugenics Society foi a primeira organização a defender de forma estruturada as ideias eugénicas, que se propagaram rapidamente aos Estados Unidos, onde Charles Davenport, em Cold Spring Harbor, criaria em 1909 o Eugenic Record Office, com o fim de levar a Administração Americana a promulgar leis impeditivas do nascimento de indesejáveis. o alvo eram as populações não germânicas, locais ou de proveniência imigratória, e o resultado foi a esterilização de 60 000 pessoas.
em Portugal o mais notável defensor da eugenia foi Egas Moniz. no rescaldo da II Guerra Mundial, e face à hecatombe populacional, uma tarefa, segundo ele, se impunha: “sejam quais forem os desígnios dos povos, o problema da geração humana é a grande questão do momento. todos concordam em aumentar a natalidade, mas é necessário que não se faça ao acaso. (...) os débeis, os tarados, os achacados de toda a ordem, muitos deles de origem hereditária, são pêso morto a cair sôbre a colectividade. o aumento da natalidade, bem social ou mal inevitável, tem de fazer-se à sombra da Eugenia para que a descendência seja forte e sadia, útil e feliz. os seus preceitos teem de ser seguidos com bom critério para benefício de todos” (Egas Moniz, 1945, pp. 15-16). e Egas Moniz acrescenta: “é preciso – já que assim obriga o rolar dos acontecimentos – aumentar a natalidade, mas a boa natalidade. não é fácil impedir a ligação dos sexos, mas é necessário que algumas das ligações sejam estéreis. evitar a fecundação é dos preceitos eugénicos que convém divulgar e, em muitos casos impor. diminuir o número de doenças do tipo hereditário, é aumentar o património da saúde colectiva” (Ibidem,1945, pp. 18-19).
podemos distinguir dois tipos de Eugenia: a positiva e a negativa. através da eugenia positiva pretende-se incentivar a que as pessoas saudáveis tenham mais filhos, que as qualidades de certas pessoas ou linhagens sejam perpetuadas e desenvolvidas através de uniões seletivas; com a eugenia negativa pretende-se impedir que se reproduzam pessoas com determinadas limitações, procedendo-se à eliminação de futuras gerações de doentes, pobres e raças indesejadas, através da proibição do casamento, do aborto eugénico, da esterilização compulsiva e da eutanásia. a propósito do aborto eugénico, calcula-se que sejam abortados, hoje em dia, mais de 90% das gravidezes de fetos com síndrome de Down.
além das leis sobre o aborto, que ora privilegiam o aborto com fins eugénicos ora promovem o aborto democratizado, livre e gratuito, com o fim de reduzir o número de “gravidezes indesejadas” (leia-se “gravidezes económica, social e politicamente indesejáveis”), começa hoje a entrar na ordem do dia a castração química dos chamados pedófilos e abusadores sexuais. uma e outra medida são fruto das ideias eugénicas.
os doentes mentais em geral têm sido um dos principais alvos das preocupações eugénicas. pouco ou nada se sabendo sobre a origem e mecanismo destas afeções, sabe-se, pelo menos, que reduzem ou aniquilam a produtividade, determinam absentismo e inatividade, e causam perturbações de vária ordem a familiares, vizinhos e comunidade e determinam a alocação de somas consideráveis para a sua manutenção, tratamento e reabilitação. a dificuldade que têm em organizar-se e associar-se torna-os particularmente vulneráveis e indefesos. por outro lado, a chamada “doença mental” é, antes do mais, um “regresso” ao passado pré-racionalista, constituindo uma regressão ou degeneração, pelo que se entende que nos finais do século XIX e princípios do século XX, as doenças mentais, pela pena dos alienistas, apareçam muito ligadas à ideia de degeneração. e não admira que os doentes mentais tenham estado na linha da frente do inimigo para os combates eugénicos dos Estados Unidos oitocentistas e da Alemanha hitleriana.
a primeira das questões que a eugenia suscita é a de saber quem decide, e sob que critério, quais as caraterísticas e aptidões que devem ser preservadas e desenvolvidas e quais as caraterísticas, doenças e defeitos que devem ser abolidos ou desencorajados. a opção é sempre ideológica, económica, quando não racista ou discriminatória. se tomarmos para exemplo a “perturbação bipolar”, verificamos, hoje em dia, um aumento dramático da sua visibilidade, a que não são estranhos a incessante e monótona repetição dos ritmos de trabalho, a grande competitividade e exigência dos empregos, o ritmo alucinante dos transportes de casa para o trabalho e do trabalho para casa, enfim, um ritmo de todo em todo inadequado para quem tem uma constituição biopsicológica de tipo bipolar. já numa sociedade rural a coisa sucede de outro modo, mais de acordo com os ritmos e padrões da natureza. uma depressão no inverno é uma tragédia na sociedade urbana industrial, enquanto que será um acontecimento relativamente superável numa sociedade rural, onde pouco ou nada há que fazer nos campos e se pode descansar ou mesmo permanecer longos períodos na cama sem que isso cause transtorno de maior. por sua vez, uma hipomania, ou mesmo a mania, está de acordo com o clima festivo do verão na sociedade rural, enquanto que na sociedade urbana é fonte de conflitos, de gastos desmesurados , de desinibição sexual e de uma série de inconveniências sociais.
quanto à raça, também esta foi objeto da atenção dos primeiros eugenistas, que convergiam em considerar as raças não brancas como raças inferiores, sobretudo a negra, e, dentro da raça branca, destacavam o tipo nórdico, branco, loiro e germânico, como o ideal físico e mental da humanidade futura. assim sendo, os casamentos inter-raciais eram desencorajados e em muitos casos proibidos. a evolução social e demográfica de países como o Brasil e os Estados Unidos viria ultrapassar os propósitos eugénicos: o primeiro por constituir hoje uma sociedade multirracial e mestiça por excelência; o segundo, pioneiro do racismo e das leis eugénicas, por ter hoje como presidente um produto de uma ex-indesejável ligação inter-racial negro-branca.
impõe-se, pois, uma importante pergunta: até onde podem ir os propósitos da eugenia, tendo em conta a questão de se saber para que tipo de aptidão ou caraterísticas se pretende selecionar um indivíduo, uma linhagem ou uma população, face às chamadas “necessidades”. pode dizer-se que uma inteligência "superior" ou um temperamento dominador são qualidades “indesejáveis” para um trabalhador subalterno, já que excedem as “necessidades” para a sua função. assim, qual é a verdadeira preocupação dos eugenistas, sabendo-se que uma sociedade não pode ser constituída apenas por indivíduos selecionados e excecionais? este tipo de considerações conduz-nos a Huxley e ao seu “Admirável Mundo Novo”, onde se descreve uma estratificação em cinco castas sociais e produtivas, obtidas através da transformação do Homem num OGM (organismo geneticamente modificado).
de algum modo, a eugenia procura selecionar e reproduzir, segundo as necessidades, os indivíduos das classes superiores e refrear ou impedir a proliferação dos indivíduos das classes ou castas inferiores. os seus representantes atuais são a reprodução medicamente assistida, no caso dos ricos, e o chamado planeamento familiar gratuito para atingir as classes média-baixa e baixa.
basicamente, a eugenia é um processo de discriminação, através do qual se categoriza as pessoas em aptas ou não aptas para a reprodução e define quais os produtos da reprodução humana que devem ou não sobreviver e para que fim.
um aspeto da discriminação dos indivíduos com fundamento em perspetivas e conhecimentos médicos e em pressupostos eugénicos são as restrições impostas por certos estados à entrada de “certas” pessoas e os critérios de admissibilidade das companhias de seguros, tornando claros objetivos de natureza política e económica. é claro que não faz qualquer sentido obrigar companhias seguradoras a aceitar cobrir riscos demasiado prováveis, isto é, a aceitar contratos ruinosos. mas o certo é que o seu know how adveio dos esforços dos eugenistas e geneticistas e dos conhecimentos médicos e bioquímicos.
o darwinismo social consiste na aplicação do darwinismo às teorias sociais, com base nas ideias de seleção natural, luta pela vida e sobrevivência dos mais aptos, segundo um mecanismo causal e determinista. à esquerda, a sua influência sobre o marxismo foi reconhecida pelo próprio Lénin. Charles Maurras, por seu turno, defendia, pela direita, uma sociedade ordenada e elitista, onde deveria prevalecer a seleção dos mais aptos, uma vez que, segundo afirmava, “na biologia, a igualdade só existe no cemitério”, porque “a divisão do trabalho implica a desigualdade de funções” e “o progresso é aristocrático”.
um contributo importante para as ideias eugenistas adveio tamém das posições lamarckianas e neo-lamarckianas. segundo os neolamarkianos, as condições do meio transformam-se em carateres que se transmitem hereditariamente. a pobreza, a miséria, a doença e os males sociais reproduzem-se. problemas como a criminalidade, a delinquência, a prostituição, as doenças mentais, os vícios e a pobreza são vistos como o resultado de um património hereditário que a eugenia pode regenerar.
o "atomismo" é, segundo Charles Taylor (1985), a caraterística das teorias do contrato social e outras cujo pressuposto é a visão da sociedade como "formada por indivíduos para cumprir finalidades primariamente individuais". a primazia dos direitos individuais encontra-se no centro de uma tradição segundo a qual nenhum indivíduo tem a obrigação de pertencer seja ao que for, família, igreja, partido, nação, etc., mas apenas direitos; o "contrato" é estabelecido para viabilizar a realização desses direitos, assim se adquirindo obrigações. a autonomia individual prevalece e precede, aparecendo as obrigações comunitárias a posteriori. para dar plausibilidade a essa interpretação dos direitos, o atomismo precisa de afirmar a auto-suficiência do indivíduo.
curiosamente, se é certo que a eugenia tem por escopo a produção de uma sociedade de indivíduos selecionados, tendo em conta determinado tipo de caraterísticas ou aptidões, quer produzindo artificialmente os “melhores” quer eliminando os “piores”, o certo é que o faz, ou fará, à custa dos interesses e da dignidade individuais.