domingo, 21 de dezembro de 2008

crise

estamos todos afundados nesta enorme crise.
diz-se que é uma crise financeira, que reboca uma crise económica, que puxa uma crise social. estamos todos à procura de culpados, como se a crise fosse o produto de ações individuais de meia dúzia de vilões.
o que se vê por aí são uns tantos pequenos, médios e grandes investidores que alinharam num jogo tolo, que pensavam construir fortunas e refortunas na roleta das ações e dos fundos de investimento, que alinharam nas miragens de lucros impossíveis, que entregaram a sua cupidez a donas-brancas encartadas, que fizeram e fariam tudo para ir buscar dividendos onde o diabo lhos prometesse. os verdadeiros culpados não são os que prometeram lucros e dividendos e faliram no jogo do castelo de cartas. os verdadeiros culpados são os ávidos de lucro e de dinheiro que entraram no jogo. são todos os milhões de corruptos anónimos e coitados que recorreram aos bons ofícios de corretores e gestores de fortunas, no objetivo único e final de enriquecer ou ficar mais rico sem mexer uma palha.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

muntazer al-zeidi

Muntazer al-Zeidi, o repórter iraquiano que jogou os próprios sapatos contra George W. Bush, tornou-se, da noite para o dia, na personagem mundial de 2008. na verdade, o seu ato simbólico fez mais pela humilhação do ocupante do que todos os atos violentos e de propaganda até hoje realizados em todo o mundo contra a ocupação americana do Iraque.

dificilmente um presidente dos Estados Unidos da América do Norte poderia ter um final de mandato mais cómico, quer dizer, mais humilhante e ridículo.
daí o incómodo que Muntazer al-Zeidi passou a constituir para o governo iraquiano, que está a braços com um interessante dilema: ou castiga a ofensa de lesa majestade ao imperador do mundo ou desvaloriza o ato para não fazer de Muntazer al-Zeidi um herói transnacional de caraterísticas messiânicas.
seja como for, ele é candidato a personagem mundial de 2008, mesmo à frente de Barack Obama.


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ps em 19-12-2008:
afinal, o homem pediu perdão. soçobrou. voltou a ser um homem normal. passa, assim, de herói a um vulgar cidadão momentaneamente perturbado. mas a perturbação não deixa de ser um sintoma de um transtorno mais vasto que ultrapassa a mera dimensão pessoal. e o ridículo permanece ridículo.
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ps em 04-01-2009:
talvez não seja assim tão fácil. o julgamento foi adiado. é preciso deixar que a memória fugaz se esqueça, que o assunto caia num limbo. talvez, entretanto o homem morra de uma morte nunca esclarecível. talvez.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

euskadi ta askatasuna

este lema, que se traduz por "nação basca e liberdade", é a descodificação da sigla ETA, fácil sinónimo de barbaridade e falta de respeito pela vida humana.
quem já passou por Euskadi dá-se rapidamente conta de que o espírito de independência e orgulho nacional está lá, em cada esquina. os símbolos do Governo e das estruturas administrativas e políticas saltam à vista. dizem-nos eles, os bascos, com indisfarçável orgulho, que não pagam impostos a Madrid, falam-nos de Gernika como um símbolo de auto-governo que vem das profundezas do tempo. já quase não se entende por que razão os bascos ainda vêm no mapa como cidadãos de Espanha.
o lehendakari, "o primeiro de todos", o presidente basco, apenas espera o momento oportuno para levar a cabo um referendo de independência, que, compreende-se, é considerado "ilegal" pelos unionistas de Madrid. como se isso contasse muito para quem quer ser independente.
percebe-se melhor por que tanto o Governo basco como a sua erzainza ("polícia". à letra: guardadores de rebanhos, pastores de cabras e ovelhas ) fazem vista grossa às atividades da ETA e simultaneamente a desprezam.
a ETA passou à História, é desnecessária, é mesmo até um estorvo. porque a independência já é possível sem ela.
além do mais, a ETA, como organização marxista-leninista, dificilmente terá lugar num futuro Governo Nacional Basco, que, certamente, lutará por um lugar de paridade no concerto das nações livres e democráticas. e da União Europeia, obviamente.
mas, ao mesmo tempo, a atividade da ETA tem o dramatismo e o poder aterrador suficiente para manter Madrid ciente de que tem um problema a resolver: a independência de Euskadi e, com ela, a eliminação definitiva da ETA e do seu efeito de papão. a verdade é que nenhuma independência se fez sem sangue, nenhum panteão de heróis e patriotas se fez sem a perda de vidas. mas a história da ETA, neste momento, já constitui um estorvo aos independentistas de direita, do centro e da esquerda que jogam o jogo democrático.
se a ETA ainda mexe, a culpa é de quem não entende que Euskadi (o País Basco) já não tem travão possível como nação independente. e de quem faz alarde de vitórias antecipadas que, afinal, não são vitórias nem sequer empates.
venha daí o referendo basco e o fim da ETA.

subsidiar os banqueiros com o dinheiro do povo

o pensamento de uma certa esquerda tem destas coisas. enchem outdoors por aí clamando contra a ajuda do Estado à banca e aos banqueiros com o "dinheiro do povo". mas é pena que o pensamento dessa gente seja tão facioso e vesgo a ponto de as fazer dizer coisas sem sentido. o aval do Estado aos bancos em dificuldade destina-se a salvar os depósitos e as mil e uma aplicações e fundos, impingidos pelos banqueiros às pessoas, ou seja, ao tal "povo", e que agora estão em risco sério de não terem nem o retorno pretendido ou sequer retorno nenhum. se fôssemos pela conversa desta gente, isto é, se o Estado chutasse para canto ou assobiasse para o lado, era o que acontecia a todos os portugueses e portuguesas que confiaram as suas poupanças aos bancos.
os banqueiros? esses não precisam do Estado para nada, já ganharam tudo o que tinham a ganhar ou a roubar, como se diz no prêt-à-penser. e com a nacionalização saem de cena, largam os bancos, mudam de azimute. alguns irão mesmo passar uns anos de férias compulsivas numa residência protegida.
o Estado faz sempre um bom negócio: se a coisa corre bem, não gasta um tostão, pois é disso mesmo que se trata "dar o aval"; se a coisa corre mal, nacionaliza o banco, compra-o barato ou de graça, safa o banco e vende-o caro, pois tamém é disso que se trata quando a coisa passa a ter de intervir o avalista . onde é que está o problema?
e não é esta gente que vai nacionalizar este mundo e o outro se algum dia chegar ao poder, como em 1974-75? onde é que está a coerência?
"nacionalizado, nosso", lembram-se?

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

a descida dos preços e a nova Idade Média

uma das criações mais originais da presente crise económica e financeira é o chamado "risco de deflação". estamos habituados a ouvir falar de inflação, mas ouvir falar de deflação é a primeira vez.
entende-se por isso uma descida global dos preços, sinal de grande baixa do poder de compra, redução acentuada do consumo, estrangulamento notório da produção. em consequência disso, aumento assustador do desemprego, agravamento da pobreza, baixa ainda maior do poder de compra, baixa da procura, redução de preços e assim por diante até ao encerramento geral.
sabemos como os países mais ricos, independentemente do valor relativo da sua moeda, tinham até agora um índice de preços mais elevado, enquanto os países pobres tinham um índice de preços muito mais baixo. isso deve-se a que os ricos consumiam mais que os pobres, logo os preços eram tanto mais altos quanto mais rico era o país.
a redução geral dos preços, a verificar-se, vai significar que a economia está muito frágil, como um doente a caminho da fase terminal cujo sintoma mais visível é o emagrecimento progressivo.
num cenário deflacionista podemos ter bastante dinheiro sem que consigamos gastá-lo, apesar da baixa geral de preços, pela simples razão de não haver suficiente produção de bens e a maioria das pessoas não ter possibilidades financeiras nem para adquirir o pouco que se produz.
imaginemos a situação. temos um carro, ou dois, ou mesmo três. enquanto não há avarias, vai tudo bem. os combustíveis descem, os carros andam. por menos dinheiro, até. mas quando acontece uma avaria é necessário que haja quem a repare e que as peças existam em stock. como a economia está em deflação, as empresas fecham e o desemprego aumenta em flecha. as oficinas fecham, poucas são as que estão abertas e poucas das que estão abertas têm as peças necessárias. os carros ficam na garagem. apodrecem. e voltaremos a andar a pé e de burro como os pais dos nossos pais.
para mim, os criminosos que precipitaram esta crise não são os autores da crise. ela faz parte intrínseca do sistema capitalista global. os criminosos apenas a fizeram chegar mais cedo.