sábado, 31 de março de 2012

partos em casa

veio agora a Ordem dos Enfermeiros com a redescoberta dos partos em casa, porque assim e porque assado, porque torna e porque deixa, e competências para aqui e vantagens para ali, e enfermeiros e médicos.
pois muito bem. que alguém contrate um(a) enfermeiro(a) parteiro(a), perdão, obstetra, ou mesmo um(a) médico(a) obstetra, para ter o seu parto assistido em casa, é um problema de contratante e contratado(o), ninguém tem nada com isso. ponto final.
mas Serviço Nacional de Saúde é outra coisa.
virem agora com a conversa do parto natural e dos 85 a 90% dos casos em que corre tudo bem, é que não.
primeiro, se o parto é assim tão natural, coisa e tal, que vai lá fazer o parteiro ou o obstetra: não podem as senhoras parir na horta ou acocoradas em casa?
segundo, se 85 a 90% dos partos correm bem, quer dizer que 10 a 15% não correm assim tão bem. e, então, no caso desses 10 a 15% quem nos acode? quem assegura o transporte imediato a um centro especializado, se a coisa ocorre, digamos, na serra de São Pedro Dias ou em casa do diabo mais velho? e, numa altura em que a contenção financeira está a condicionar o transporte de ambulância, que farão estes senhores enfermeiros parteiros? rezam ao santo da freguesia, fazem uma novena, benzem a mãe e o feto?
eu já nem falo das condições de higiene e assepsia e dos problemas logísticos associados ao parto no domicílio.
já nem falo dos processos que podem correr por mau sucesso, negligência e má prática aos enfermeiros parteiros, perdão, obstetras. a mim pouco me importa. o problema é deles. preocupa-me é a decadência das condições de saúde pública portuguesa, que tanto custaram a construir.
o que eu não percebo é muito bem esta vontade de andar para trás. quer dizer, percebo até muito bem. para um(a) enfermeiro(a) parteiro(a), perdão, obstetra, ir assistir um parto ao domicílio é outra euro-coisa. mas lá porque o parto ao domicílio é mais euro-rentável para os enfermeiros da Ordem, vamos nós ter de estragar a taxa de mortalidade infantil, que é uma referência a nível mundial?

sexta-feira, 30 de março de 2012

a Casa Pia


na verdade, o caso Casa Pia indigna. nenhum dos diretores da casa santa, que a dirigiram da maneira que sabemos, foi chamado à responsabilidade pelo que foi sucedendo ao longo dos muitos anos. ninguém se preocupou em reformá-la a tempo e horas, tornando-a uma respeitável residência e uma escola exemplar para crianças órfãs ou rejeitadas. ninguém quis saber. puseram vendas nos olhos e tapumes nos ouvidos. não foi nada com eles. os miúdos andaram por onde quiseram ou por onde os mandaram, terão sido abusados ou terão tirado partido, terão ganho dinheiro e terão dado dinheiro a ganhar, e ninguém se importou. comércios às claras e às escuras ninguém os viu. nada disso. rebentada a bomba, e só para o lado mediático das profundezas do sexo, há que salvar os despojos valiosos e deixar os estilhaços para quem teve que levar com eles. a populaça, essa, quer é sangue, não importa de quem. e se for um bode expiatório dos bons, um bode expiatório mediático, tanto melhor.
quero já dizer que não sei quem está inocente. mas sei que quem dirigiu a coisa inocente não está. porque pelo menos permitiu que hoje se fale de culpados.



quinta-feira, 29 de março de 2012

a psiquiatria em Coimbra

podia escrever sobre a psiquiatria em Coimbra, sobre a fusão do CHPC com o CHC e o HUC, na entidade única a que chamam CHUC. mas não me apetece. de um lado, porque estão os professores universitários, repudiando o regresso aos asilos, no que têm imensa razão, e perfilando-se como futuros chefes de serviço e comandantes da nova arca de Noé; do outro lado, porque está um anónimo e inofensivo corpo clínico de um ex-hospital psiquiátrico, cuja única ambição é ser integrado, com a honra possível e o menor desproveito, num serviço onde, desconfiam, não vão contar para nada, mas que, ao menos, possa ter algo que ver com a psiquiatria universitária, quer do ponto de vista intelectual, quer do ponto de vista de instalações. é por isso que não me apetece escrever sobre a psiquiatria em Coimbra. em tempos, o hospital Sobral Cid, integrante depois do CHPC, teve uma palavra importante, muitas vezes decisiva, a dizer sobre a psiquiatria em Coimbra e mesmo em Portugal. teve até figuras de proa da psiquiatria portuguesa. hoje não conta para nada. com exceção do serviço de inimputáveis perigosos, que ninguém quer perto de si, talvez só na área da Justiça, e com exceção do serviço a que erradamente chama de "violência doméstica", porque mais deveria fazer parte de um departamento da Justiça do que de um serviço da Saúde, não tem nada de novo ou de diferente a dar a ninguém. e mesmo nos serviços onde é menos mau, ou até mesmo bom, não passa de uma cópia do que fazem os professores no serviço universitário de psiquiatria. é por isso que não me apetece falar do assunto. o hospital Sobral Cid, perdão, o CHPC, teve ainda, recentemente, a oportunidade de criar um serviço comunitário de saúde mental, que fizesse a diferença e a razão de ser. perdeu a oportunidade e transformou-a num fiasco. é por isso que não me apetece falar do assunto.

sábado, 17 de março de 2012

a propósito de templo

a palavra templo implica o conceito de sagrado, podendo tratar-se de um espaço exterior organizado e simbólico mas também do espaço íntimo, interior. a sua história é tão antiga como a humanidade.
no mundo romano, para fazer a leitura dos sinais celestes, o áugure delimitava com o seu bastão um setor do céu. e nesse setor celeste, que representava e continha toda a cosmogonia, observava os fenómenos naturais, nomeadamente a passagem das aves. a esse setor do céu chamava templum
mais tarde, o templum passou a designar o lugar ou edifício sagrado onde se praticava essa observação e interpretação do céu. 
o radical indoeuropeu "tem-", de onde deriva o termo latino templum e as palavras gregas tomos (por exº, em: tomo-grafia) e temenos, contém a ideia de “cortar”, “separar”, “delimitar”, “dividir”. desde a mais remota antiguidade, pode ser um lugar ao ar livre, em bosques, em cavernas ou no alto de montes. a palavra correspondente a templum em Grego, temenos, designava o lugar reservado aos deuses, a cerca sagrada que envolvia um santuário, constituindo um lugar intocável. o templo é a habitação do divino, o lugar da Presença por excelência. 
por isso, todo o templo está em linha com o mundo celeste e representa o “centro” do mundo. o espaço nasce nele e resume-se nele. é por isso que a orientação constitui um dos elementos principais da construção do templo. ele é o resumo do macrocosmos e a imagem do microcosmos. consequentemente, é ao mesmo tempo uma imagem simbólica do cosmos, do mundo e do homem. o templo não é apenas o edifício sagrado. 
ele é símbolo de “santuário” em múltiplos sentidos, incluindo o homem que se esforça para alcançar um nível espiritual no mundo quotidiano. a sua arquitetura é uma imagem da representação que o homem faz do divino, sendo pois uma réplica terrestre dos arquétipos e da cosmogonia celestes. 
nele, construção e construtor são colocados ao mesmo nível e partilham o mesmo destino. a humanidade que se dedica a construir o templo torna-se idêntica a ele. 
no mundo latino tendia-se a confundir o que é divino, isto é, o que tem propriedades divinas, com aquilo a que chamamos substantivamente “deus”; mas para os gregos o “théos”, que traduzimos por “deus”, não é sinónimo de um “deus” substantivo, é uma propriedade das coisas ou dos lugares. diz-se que algo é “théos” porque tem propriedades divinas, faz parte do “pleroma” - a totalidade dos poderes divinos -, e não propriamente porque seja um “deus”, quer no sentido animista, quer no sentido politeista, quer no sentido monoteísta.