sábado, 29 de dezembro de 2007

A Caixa do Kosovo

podia pôr-lhe o título de A Caixa de Pandora, mas como ela já foi aberta há uns anos, quando começou o colapso da Jugoslávia, boto-lhe apenas o título do compartimento do fundo: o Kosovo.
não sei por que artes, europeus e norte-americanos deram em pensar que o melhor para a Jugoslávia era parti-la em tantos bocados quantas as etnias, dialectos, línguas e religiões. até pode ser que esteja certo. afinal, o mais elementar direito de qualquer povo é agrupar-se em torno da sua identidade. é da afirmação da identidade própria e da auto-satisfação de ser livre e auto-governado que pode surgir o sentimento de solidariedade entre todos os povos, livres e iguais.
mas tem um porém: o exemplo da Jugoslávia, e o fundo do baú que é o Kosovo, não vai ficar contido nos Balcãs. a partir de agora vira-se uma página capitular da História dos Estados multi-étnicos, plurilinguísticos e multi-religiosos. não pode haver dois pesos e duas medidas. o que vale para os Balcãs vale para a Grã-Bretanha, para a França. para a Península Ibérica, para a Roménia, para a Bélgica, para o Canadá, para o Paquistão, enfim, uma bola de neve das antigas.
o Kosovo não tem mais direito à independência que o Euskadi, a Catalunha, a Galiza, a Escócia, o Quebeque, e assim por diante. o UÇK-Ushtria Çlirimtare e Kosovës do Kosovo* não pode passar de terrorista a patriota sem que o mesmo aconteça à ETA-Euskadi Ta Askatasuna de Euskadi, como já aconteceu ao Óglaigh na hÉireann ou IRA-Irish Republican Army da Irlanda do Norte.
mas a Caixa do Kosovo não se fecha aqui. sabemos que o fim último das movimentações independentistas do Kosovo é a reunião da família albanesa. como o fim último das movimentações no Ulster é a reunião da família irlandesa. segue-se a reunião da família Basca, da família Catalã, da família Húngara, da família Romena, da família Neerlandesa e da família Galego-Portuguesa?
seja como for, uma coisa salta à vista: afinal, os estados europeus não são feitos de mais consistência interna que qualquer dos estados africanos. são meros caprichos da História que, tal como o mito de Chronos, engendra e devora os seus próprios filhos.

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*declarado em 1998 como organização terrorista pelos EUA.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

o consumo de drogas nas prisões

uma alta figura do IDT veio a terreiro admitir que nas nossas prisões é um vale-tudo: as famílias dos presos levam droga, a droga circula lá dentro com o maior dos à-vontades, todo o mundo trafica, todo o mundo é cúmplice, enfim, uma negociata das antigas. logo - esclarece -, o que há a fazer é instituir "salas de chuto". nem uma palavra sobre o que fazer para pôr termo à situação dentro das nossas cadeias, sei lá, reformular o sistema de penas, reformar as nossas prisões, rever as cadeias hierárquicas, investigar a atividade dos guardas prisionais, tornar a vida mais difícil a quem trafica. nada disso. o remédio é, apenas, baixar os braços e criar "salas de injeção assistida", vulgo "salas de chuto".
pois muito bem: se estivesse em marcha uma reforma profunda do nosso sistema penal e prisional, se estivesse pensada uma nova hierarquia dentro das cadeias, se estivesse em curso uma devassa sobre o sistema de cumplicidades que vive da droga e de outras necessidades dos reclusos, eu admitiria que, ao mesmo tempo, se instituisse "salas de chuto", como forma de minimizar riscos e reduzir danos nos toxicodependentes reclusos.
mas só isso e não fazer mais nada, sou contra. é uma hipocrisia parasita, uma mera colaboração do Estado num status quo que ele mesmo tem por incumbência combater.
afinal, as prisões são instituições criadas para redimir pessoas que violaram as leis, ou são instituições onde se viola a lei à grande e à francesa e se enriquece do dia para a noite num sistema fechado de economias paralelas?
começo a perceber tanta determinação da parte do Estado na luta antitabágica. o tabaco não enriquece ninguém. a luta contra o fumo dá nas vistas e faz muito barulho. sempre parece que se faz alguma coisa. os tontos são fáceis de enganar com todo o aparato das leis contra o tabaco. entretanto, onde é necessário que se faça alguma coisa, o Estado está derrotado, de cócoras.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

o aerotorto

vai em dez anos, mais coisa menos coisa, que se fala da construção do novo aeroporto de Lisboa. numa casa séria, já a ordem de o fazer tinha sido dada, já os aviões aterravam, já a gente sabia o caminho para lá, enfim, já o novo aeroporto era quase velho. aqui não. o novo aeroporto nem sequer é novo ainda. nem sequer se sabe onde vai ser. opina o pai e a mãe e o tio e o padre e a sopeira, e o afilhado do padre e o filho da sopeira, e enquanto toda a gente competente opina e enquanto opina a gente in-competente, o novo aeroporto continua novo, novissimo, ou seja, por fazer. é coisa única, nossa, portuguesa de gema. eu achava até que o problema é a falta de dinheiro. porque enquanto 9 milhões e meio de portugueses opinam sobre o novo aeroporto, não gastamos um tostão a construí-lo. já tinha visto esse filme em qualquer lado... nã, mas não me comem as papas na cabeça. não é só isso que está em causa.
é que, eis senão quando, o aeroporto aterra onde o diabo não se lembraria de pensar. a população portuguesa, na sua grande maioria de dois terços ou mais, reside a norte do Tejo. logo, manda a lógica mais pura, faz-se o aeroporto a sul do Tejo. nós, os galegos, precisamos é de viajar, de gastar pneus e gasolina, de pagar portagens, de contribuir com os nossos passeios forçados para o povoamento do Alentejo e arredores. o nosso aeroporto, o aeroporto dos portugueses propriamente ditos é o aeroporto do Porto. chega muito bem.
outro aeroporto a norte de Lisboa seria uma aberração, a perpetuação irresponsável de uma lógica demográfica com milénios de história. a sul do Tejo é que está bem. que até já lá tem o aeroporto do Algarve.
e dizem que fica mais barato. que é mais fácil de fazer, que dá menos trabalho. e quem achar que fica longe e por caminho torto que se mude ou vá de carro ou de avião. pois claro. estou nessa.
e, já agora, por que não fazem o novo aeroporto de Lisboa em Porto Santo? é uma ilha pequena, plana, onde cabe na perfeição um grande aeroporto e pêras. não está perto de nada, nem longe que não se vá numa hora de avião. fica mais barato ainda, não implica a construção de pontes nem acessos, e permite a ida à praia entre dois voos de escala. tem um clima constante, não fica muito mais longe da população portuguesa que mora a norte do Tejo, nem favorece escandalosamente a grande indústria e os grandes exportadores da Península de Setúbal.
que é que querem? toda a gente em Portugal pode dizer o que lhe vem à cabeça sobre o novo aeroporto. por que não haveria eu de poder também?

ps: estou com aqueles que defendem a manutenção e alargamento do Aeroporto da Portela. de uma assentada, resolvia-se dois enormes problemas: botava-se Lisboa abaixo e ficávamos com um aeroporto em condições.

o crepúsculo da Medicina

entende o senhor ministro da saúde que aos médicos não assiste o direito de consciência, tendo em conta o primado das volúveis leis da República. por mim, continuo aferrado ao Juramento de Hipócrates e aos fundamentos da profissão médica. entendo que lei nenhuma da República tem mais força que as minhas convicções morais, éticas, filosóficas e culturais, e muito menos que as motivações que me levaram para esta profissão. se for lei da República a aplicação da pena de morte, senhor ministro da Justiça, senhor ministro da Saúde, não contem comigo. se for lei da República a aplicação da pena de mutilação, da mão, do pé, do braço, dos coisos, do que seja, senhor ministro da Justiça, senhor ministro da Saúde, não contem comigo.
há sempre alguém disposto a cumprir as leis da República. sirvam-se desses.
também é lei da República haver exército, marinha e aviação, instrumentos de uma possível guerra. há os que querem fazer parte e os que se esquivam em nome da objeção de consciência. e está certo. não pode a República violentar a consciência do cidadão. mas esses, já agora não sei porquê, continuam a poder objetar. há sempre alguém disposto e vosselências servem-se.
mas nós, médicos, não temos, no entender de vossa excelência, o direito à repugnância perante certas leis da República. não podemos esquivar-nos a praticar atos que, de acordo com a nossa consciência, são imorais, anti-éticos e anti-profissionais, porque a lei é da República, ponto final e acabou.
pode até acontecer que vossa excelência venha a fazer vencimento na sua pretensão. já não digo nada. já nada me espanta num mundo em que a capacidade de espantar morreu.
mas então deixe de falar de médicos e de medicina. chame-nos mecânicos, robôs, sei lá, uma coisa técnica ou assim. mas médicos é que não.
ou seja, se vossa excelência levar a sua avante, nós estaremos aqui para fazer a vontade do freguês, para consertar, reparar, mexer, mudar, pôr e tirar, remendar, reabilitar ou botar ao lixo. mas não para tratar, para cuidar, para exercer medicina. e já agora, senhor ministro, tire-nos a cultura, a moral, o saber e a consciência. vossa excelência manda, a gente faz. não precisaremos de mais nada que da nossa técnica e das ordens de vossa excelência.
aonde isto chegou, senhor ministro!
quer um aborto, uma eutanásia, uma amputação legal, uma execução assistida? OK, senhor ministro. os mecânicos estão prontos. os médicos-médicos é que não estão.

ps: afinal, de que falam os nossos ministros da saúde quando enchem a boca de ética dos médicos, a torto e a direito?

sábado, 1 de dezembro de 2007

vih, sida e mentiras: assim não vale

nem de propósito: vai realizar-se um almoço de protesto contra o despedimento do senhor cozinheiro seropositivo. uma associação, Médicos pela Escolha (de quê?), organiza uma patuscada preparada por pessoas seropositivas. e o senhor Coordenador para a Infecção VIH/sida presta-se ao frete e ao embuste de estar presente.
vamos a ver se nos entendemos. ser apenas seropositivo é diferente de ser seropositivo com sintomas não-sida e mais diferente ainda de ser seropositivo doente na fase sida. confundir tudo isto é contribuir para a perpetuação dos números que nos envergonham.
façam as jantaradas e patuscadas que entenderem os Médicos pela Escolha (de quê?) e os seus seropositivos de estimação, que não vai daí grande mal ao mundo. a seropositividade não se pega assim.
não podem é a estar a vender-nos seropositivos por doentes com sida. aqui a coisa fia fino. é outra realidade. é estar doente, é ser incapaz para o trabalho, é contrair infecções difíceis de tratar e fáceis de propagar, é, enfim, uma razão mais do que suficiente para que nenhum cozinheiro nessas condições possa estar ao serviço.
façam, antes, o jantar que eu propus: no cujo Hotel e preparado pelo cozinheiro doente despedido.
isso é que era ser corajoso, solidário e consequente. se houvesse tomates que chegassem. para a refeição, já se vê.

terça-feira, 27 de novembro de 2007

adeus, mãe

quem é que estava à espera disto?
bem sei que a lei da vida é cruel e cega.
não vamos esquecer-te.
adeus, mãe.

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

o cozinheiro do Grande Hotel

um Tribunal de Apelação confirmou a sentença do juiz de 1ª Instância, que absolvia um hotel do crime hediondo de despedimento de um cozinheiro seropositivo. e patati-patatá, um país do terceiro mundo, uma vergonha nacional, a cauda da Europa e assim por diante.
eu, por mim, agradeço à Justiça portuguesa a prova de bom senso que acabou de dar, não embarcando no pensamento politicamente correto. é que o caso não é assim tão simples.
em primeiro lugar, o seropositivo é cozinheiro e, que diabo!, um cozinheiro de hotel seropositivo é um golpe de morte no prestígio de qualquer unidade hoteleira. adorava ver essa gente prafrentex ir toda a correr ao dito hotel exigir um jantar preparado pelo senhor cozinheiro seropositivo. quando essa manifestação de solidariedade e confiança na saúde pessoal e pública acontecer, pronto, calo-me, já cá não está quem falou, estamos num país do primeiro mundo, seja lá isso o que for.
é que, se não forem, é porque a conversa é só da boca pra fora, mais nada. serão tão medrosos e tão preconceituosos como aqueles que assumem ter medo ou desconforto de uma tal situação. e serão um bando de hipócritas bem pensantes, do género não há perigo nenhum, é uma discriminação, mas ir lá é que eu não vou. serão hipócritas e um bando de irresponsáveis.
em segundo lugar, o homem não é apenas seropositivo, está doente, teve tuberculose, enfim, aquelas coisas que acontecem a quem já não é só seropositivo.
em terceiro lugar, a discriminação está em ser só o seropositivo, presumo para o VIH (já que há outras seropositividades), o alvo deste pensamento antidiscriminatório. porque nunca vi ninguém falar ou indignar-se por se despedir um cozinheiro com febre tifóide, tinha, hepatite, tuberculose, lepra, bicha solitária ou sarna.
em quarto lugar, foi um médico à televisão explicar que, vocês sabem, a coisa não se transmite, se se transmite é muito raramente, e se mesmo assim se transmite, tem um tratamento que consiste em reduzir a virémia, melhorar a qualidade de vida, reduzir o risco de contágio, essas coisas todas. logo - remata -, o nosso cozinheiro seropositivo merece uma compensação, merece ser ressarcido, merece uma indemnização. pois. mas, então, em que ficamos: o homem não pode ser discriminado porque não tem doença, ou se tem doença não é uma doença grave, ou, se é uma doença grave, é uma doença de luxo - e, então, tem que ser readmitido, ponto final e acabou; ou o homem não pode ser readmitido porque, enfim, tem uma doença que se pega, do género eu pelo menos não ia comer a esse hotel, e o patrão tem razão em despedi-lo, só que sem justa causa, já se vê, isto é, tem que o indemnizar?
e quando é que levamos a sério o VIH?

sábado, 17 de novembro de 2007

o aquecimento global

está frio, mas não me queixo. afinal, quanto a isso de frio, é tempo dele. tamém, aqui há dias, estava um belo verão de são martinho e já se dizia por aí que vinha a fim-do-mundo a cavalo no aquecimento global. afinal, o aquecimento foi-se embora e ficou este frio de rachar.
é que agora, em questão de tempo meteorológico, não pode estar coisa nenhuma: se está frio, é o aquecimento global; se está calor, é o aquecimento global; se chove, aqui d'el rei, é o aquecimento global; e se não chove, imaginem só! , é o aquecimento global.
e pensava eu que o planeta era um organismo auto-regulado, capaz de responder às mordeduras do insignificante ser humano. mas não, o planeta está de cócoras, k.o.: todos os dias chegam provas provadas de que o planeta faliu. já não há nada a fazer: aqueceu e pronto. vale mais encomendarmos todos as nossas alminhas a Deus e esperar pola derradeira hora, calmamente. sem pânico.
qual quê! os montes estão cheios de ventoínhas da energia eólica, os campos fervem de milho e outras alpistas para biodísel, anda tudo numa fona a descobrir o seu nicho de negócio. não há sinais de que seja um investimento terminal. antes parece que a coisa promete rendimento.
à noite, olho pela minha janela e vejo o contorno das montanhas desenhado com as luzinhas vermelhas das eólicas. vou na auto-estrada e as ventoínhas lá estão a produzir energia e tamém a ventilar o ar, a arrefecer o ambiente escaldante deste inverno frio.
é claro que penso: é melhor assim do que aquela fumarada das cidades industriai; deve ser aborrecido, deve ser mesmo tóxico viver numa cidade cheia de fumo industrial. mas que diabo!, onde já se viu um planeta moribundo ser motivo de tanto movimento de negócio e desenvolvimento industrial?
fico a pensar: estas coisas estão ali por causa do aquecimento global, ou o aquecimento global está aqui por causa desta movimentação económica nouvelle vague?

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

os americanos ou a american way of shopping

Rio Grande do Sul, Porto Alegre. perto da cidade, visito uma uma loja de top na área do artesanato.
uma beleza. mas os lindos elefantes, rinocerontes e girafas, de madeira, de pedra sabão, sei lá, fazem-me comichão na moleirinha. e pergunto: "por que vocês vendem artesanato brasileiro figurando animais que não existem no Brasil?" resposta pronta: "nossos maiores clientes são os americanos. eles não sabem nada, não têm cultura. eles compram tudo. e a gente vende..."

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

um fisco europeu?

queixam-se os médicos espanhóis, e entre eles maioritariamente os galegos, das autoridades fiscais portuguesas. em resumo, eles conduzem em Portugal, onde residem e trabalham, os seus carros ou coches de matrícula espanhola. as autoridades portuguesas entendem que lhes é exigível o pagamento dos impostos sobre veículos que pagam os portugueses que residem e trabalham em Portugal. por sua vez, os médicos espanhóis alegam que somos todos cidadãos da União Europeia, que, entre outras prerrogativas, temos o direito de livre circulação de pessoas e bens e usamos a mesma moeda. pois é. tenhem ambos razão. o problema é que os Estados da União ainda tenhem Tesouro e Fisco próprios. cada qual tem o seu próprio Orçamento Geral do Estado. cada um tem ainda o direito de cobrar impostos por sua própria conta. e, sem dúvida, é um entrave de peso à percepção de uma União Europeia funcionando a um só ritmo, a uma só voz, a um só regime.
está neste momento prestes a ser firmado um novo Tratado de União. discute-se isto e aquilo e aqueloutro. cousas que nom chegam ao íntimo dos cidadãos deste Espaço Comum. mas a criação de um Fisco Único e de um Orçamento Único é uma daquelas obviedades que dão corpo a um Espaço Político Único e que não há meio de ser discutido e posto em prática. até lá, neste Espaço em que somos todos cidadãos da mesma Europa e recebemos e pagamos na mesma moeda, é uma anormalidade evidente que possamos ser acusados de contrabando ou de habilidade fiscal por, simplesmente, termos um carro comprado num Estado e trabalharmos e morarmos noutro Estado.
houvesse um Fisco Único em toda a União, ou pelo menos um único Sistema Fiscal, com regras e taxas comuns, e não seríamos nós portugueses, nem quem a nós se associa e nos atura, os mais sacrificados contribuintes deste lado do mundo.

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

a tradução


muitos médicos galegos prestam hoje serviço no sistema nacional de saúde português. a facilidade de adaptação ao país e à língua é óbvia. mas a rádios e televisões portuguesas de lisboa é que não fazem a coisa por menos: se algum médico galego é entrevistado, logo o traduzem ou lhe põem legendas por baixo. o resultado não pode ser mais idiota nem mais ridículo. traduzir o que está traduzido por natureza, legendar como quem põe legendas para surdos. será que os doentes também precisam de tradutor e de legendas para entender os médicos galegos? será que os médicos galegos precisam de tradutores e de legendas para entender os doentes portugueses?

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

os mccannismos da mente humana

não é fácil reconhecermos que o bem e mal são pólos de uma mesma dimensão, que todos nós somos heróis e vilões, santos e pecadores, juízes e criminosos, médicos e doentes. já o diz o refrão, "de médico e de louco temos todos um pouco". apenas reconhecemos como nosso o lado bom, a parte apresentável de nós mesmos. nós somos a persona (*), a máscara, a maquilhagem que pomos para que não nos vejam os pôdres, o lado mau da nossa natureza. todos queremos ficar bem no retrato. todos queremos dar a melhor imagem de nós mesmos. e no entanto, por mais que o escondamos e o reprimamos, o nosso demónio interior está lá, à espera da primeira ocasião, do primeiro descuido, para vir à superfície. entre o respeitável senhor e o criminoso medeia a ocasião. já o diz o povo: "a ocasião faz o ladrão". ou "no melhor pano cai a nódoa".
perdemos o sentido, que em tempos já foi nosso, da convivência cósmica entre o bem e o mal. perdemos a consciência de que todos nós alimentamos o bem e o mal no segredo do nosso ser. hoje, tendemos a separá-los, tendemos a ver o bem e o mal como coisas independentes e concretas. o resultado é que, como dizem Bin Laden e George W. Bush, o bem sou eu e o mal é o outro. até descobrirmos, num dia de pesadelo, que, se nós somos o bem, somos também o mal. basta surgir o momento favorável.
para passarmos de heróis a vilões, de santos a pecadores, de respeitáveis senhores a criminosos medonhos, basta um só momento de descuido, um só momento fatal, em que o vulcão reprimido entra em erupção e o diabo interior nos desfigura. uma orgia, uma droga, uma simples bebedeira, talvez tudo a um só tempo, e fazemos aquilo que não quereríamos fazer, que temos o cuidado de nunca fazer e de nem sequer admitir. talvez nem saibamos que o fizemos, tal o efeito do álcool, da droga, da orgia ou das três coisas. ou, se sabemos, nunca o poderemos aceitar, tão hediondos nos apresentamos diante de nós mesmos.
daí a negação absoluta e genuína dos nossos próprios crimes. que pode tomar a forma de uma cortina de fumo que, mais do que qualquer outro resultado, nos impeça de ver o que nós realmente somos. da construção de uma confabulação mais ou menos genial, que nos cai em cima e nos destrói para sempre, sem apelo nem agravo.
todos podemos estar nesse lugar. é uma hipocrisia não pensar assim. mas pior ainda é não assumirmos os crimes que o nosso mal pratica.
sejamos nós, com ou sem razão, os protagonistas arguidos de um caso público, ou sejamos simplesmente espectadores do circo mediático que lhe faça companhia.


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(*) persona. do latim "máscara". deu a palavra "pessoa" em português, nas línguas novilatinas e em inglês.

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

o programa de tv

a aldeia foi ao programa da manhã e a pobre senhora foi incluída na embaixada. ia toda gaiteira para uma manhã de fama. deslumbra-se. a meio do programa solta-se-lhe a língua. fala de assuntos de família como se estivera na solaina entre amigas.
hoje, ninguém lhe fala.

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

o parto

foi ter a criança. ao terceiro dia deram-lhe alta, com um belo cachopo no colo.
chegou a casa e encontrou o marido na cama com a amante.
dizem que o parto lhe subiu à cabeça.

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

heróis-do-milho

confesso a minha perplexidade. um grupo de pseudo-ambientalistas resolveu implicar com uma plantação de milho transgénico. podia ter implicado com coisa mais substancial, sei lá, o atentado quotidiano ao cordão das dunas, a invasão diária das reservas florestais. não. uma plantação de milho transgénico, das centenas ou milhares espalhadas pelo país, dá mais nas vistas. não vão chatear as empresas que produzem as sementes nem nada assim. vão chatear um agricultor isolado. invadem-lhe a horta e destroiem-lhe a plantação. assim, sem mais nem menos.
não percebo nada de ambientalismo, nem de milho transgénico, mas cheira-me a uma nova religião. fico a pensar: é isto a democracia e o estado de direito?
que tem o milho transgénico de diferente da clonagem e da fecundação artificial? será que os heróis-do-milho vão agora atacar as clínicas de fecundação in vitro e coisas que tais?
tenho dificuldade em entender esta coisa de ambientalismo. alguém me explica o que é e como é que funciona?

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

uma gaiola de ratinhos

deixam os filhos no quarto, sozinhos, e vão jantar com amigos. são gente dessa. segundo os costumes de elite, as suas crianças não vão com os papás ao restaurante. talvez nem seja permitido, no evoluído país de onde provêm. as crianças fazem barulho, choram, partem os copos, entornam a sopa, estorvam o garçom, não deixam os adultos falar calmamente. no decorrer do jantar causam vexame aos papás. teriam de levar um pequeno tabefe, sei lá. e aí, os lindos papás não teriam coragem de enfrentar os olhos em redor, que, aliás, já tinham o cenho cerrado pelas traquinices anteriores.
mas entre os mais evoluídos cidadãos daquela terra de elite, que não aprecia essas intimidades de família, parece não ser costume alternativo deixar as crianças com a baby sitter. suponho que seja caro. afinal, vão só ali jantar e já vêm. coisa pouca. os pequenos estorvos ficam a dormir no quarto, transformado numa gaiola de ratinhos.
mas a partir dos três anos as crianças são curiosas, inconformistas, detestam gaiolas e assim. e quanto mais inteligentes mais detestam. facilmente lhes vem à ideia fugir para a grande floresta. onde mora o lobo mau desde o princípio dos tempos.
a culpa não é dos pais. eles são de um país onde a culpa não existe e a maldade é dos outros.
aqui, no meu país, deixar os putos no quarto e ir jantar nas calmas com amigos é negligência grave.
se uma criança assim desaparece ou morre, os pais caiem no poço da justiça. e logo um mar de psicólogos, assistentes e técnicos sociais lhes vem em cima, sem dó nem piedade. chamam-lhes incompetentes e talvez até os façam perder a tutela dos ratinhos que ficaram.

naquele país não é assim.
é por isso que, afinal, sempre gosto mais do meu país.

quarta-feira, 25 de abril de 2007

os antergos (3)



aprendi no Museu de Arte Pré-Colombiana, em Santiago do Chile. um aborígene é representado a gravar nas rochas de um desfiladeiro andino. o mesmo tipo de figuras e o mesmo significado ritual das gravuras do Coa.







noutro quadro, um grupo de caçadores nus persegue a sua presa. porque costumassem andar nus? não. simplesmente porque a sacralidade da caça e o respeito religioso pelas presas lhes impunha a nudez ritual.

domingo, 18 de março de 2007

os castros (1)

como diria Martins Sarmento, meu conterrâneo ilustre, tamém eu nasci entre castros. a concha do Ave, na região de Guimarães é um manancial deles: em cima de cada elevação, assinalados quase sempre por capelas de invocação estranha: "Santa Tecla", "Senhoras do Monte", "S. Miguel-o-Anjo", "Santa Marta das Cortiças", "Senhora da Penha", "Senhora da Lapa", "S. Bento das Pêras". em certo dia do ano, já sem saberem bem porquê, ainda hoje lá vão em romaria os que tenhem dentro cousa que ver co aquelas aldeias mortas.
de outros não ficou invocação, talvez porque as suas gentes tenham sido chacinadas, expulsas, dispersas ou escravizadas: nas citânias de Briteiros, de Sabroso e de Sanfins não resta qualquer construção religiosa em actividade, que leve as populações circunvizinhas a fazer-lhes visita anual como é de lei fazer aos que passaram por cá antes de nós. aí, vão os turistas, os que, mais do que antepassados, vêm nos antigos habitantes dos castros uma gente atrasada, bárbara, que se alimentava de coisas que não nos alembra dar ao cão.
uma gente que inventou a filigrana de oiro. que cantava, dançava e contava histórias. gente que caçava e pescava, pastoreava e lavrava, fiava e tecia. ria e chorava. gente igualzinha a nós.

situados em pontos altos, visíveis uns dos outros, os castros faziam circular rapidamente as novidades importantes. ainda hoje esses locais são pontos-chave no sistema de comunicações: praticamente não há um só que não tenha uma ou duas antenas, da televisão, da rádio, das redes celulares. o expoente do que digo é o Monte da Tegra, ou de Santa Tecla, no concelho galego d'A Guarda. de tal maneira assim é, que eu suspeito de que esses lugares, mais do que pela sua altitude ou qualquer outra razão, deviam ser escolhidos pela facilidade com que deles se emitia ou recebia as ondas electromagnéticas. ou, se eu disser de outra maneira, pela comunicabilidade visual que ofereciam entre si.
pelo menos, assim o sugerem certas lendas ligadas a estes montes, como a lenda das sete irmãs, ou das sete senhoras. esta é uma delas.



sexta-feira, 16 de março de 2007

um caso atrás d' outro



há semanas atrás, fomos bombardeados coma campanha em favor de uns ditos pais adotivos de uma criança de 4 anos. as cabeças bem-pensantes do meu país correram a assinar um papel para libertar um homem. preso por ter em seu poder uma criança ao arrepio da lei . e recusar-se a entregá-la às autoridades.
a coisa conta-se assim: uma senhora namorou um rapaz e engravidou. não sendo namoro pra durar, que até já tinha acabado, nem tendo de que viver quanto mais sustentar um filho, a mulher achou melhor, sendo solteira e sem pai assumido para a criança, dar o rebento a um casal que o queria. só que, por uma razão ou por outra, os novos "pais" se esqueceram de cumprir os requisitos. ou seja, passaram por cima dessas lérias da adoção legal. entretanto, o indigitado pai propriamente dito, até aí incrédulo quanto à paternidade, rende-se ao teste do ADN, que o deu por autor daquela vida. aí o moço acha que, se é pai, quer ser pai até ao fim. e reinvindica a criança. aqui d'el-rei! a criança já está habituada àqueles pais, será uma violência devolvê-la a quem de direito. neste caso, ao pai biológico. que a quer criar.
o abaixo-assinado passou-me pelas mãos. de pé atrás, não o assinei. parece que estava a adivinhá-la...

...acontece agora que:

uma senhora ilude o marido-viajante durante nove meses, dizendo que está grávida. chegando a semana de dar contas do que pretensamente trazia na barriga, a senhora diz ao marido que vai ao hospital botar a criança ao mundo. e, passados os dias necessários, aparece em casa com o rebentinho. que entretanto roubara a uma mãe a sério. o lorpa que engoliu em seco nove meses de vida da sua própria esposa, recebe um internético alerta-geral: fora roubada uma criança no hospital onde - julgava ele... - a sua mulher tinha parido. ainda por cima, roubada no mesmo dia em que ele, suposta e galhardamente, havia sido pai. lembrando-se, afinal, de que não dera assim tanto de si para aquela vida nova, vá de investigar a coisa no hospital. e descobre que a sua esposa não tinha estado internada e não havia registo algum desse contributo para a propagação da espécie. já lá vão três anos.
a coisa acabou em tribunal. e a criança vai ser entregue à sua família de origem, onde passará a desfrutar da companhia de mais seis irmãos...

...assim vão as coisas entre nós.


domingo, 11 de março de 2007

os antergos (2)


é possível seguir a prática da trepanação desde o chamado Neolítico, mais concretamente desde a "Civilização" Megalítica. a trepanação é uma operação de cirurgia pela qual o operador retira uma rodela ou um quadrado de osso do crânio, deixando o encéfalo em contacto com a pressão atmosférica. se esta operação for feita em vida do paciente, o osso vai regenerar, tendendo a tapar de novo a abertura; se o paciente não sobrevive à intervenção, ou se esta for feita no cadáver, não há regeneração do osso e a abertura fica como foi feita.
conhecemos exemplos dos dois casos: crânios com e sem sinais de regeneração óssea.
como interpretamos essa realidade, tendo em conta que foi feita em era tão recuada?
a maioria acha que os nossos antigos pensavam de maneira diferente de nós. que faziam essas operações com um fim mágico. que, desse modo, libertavam a pessoa de maus espíritos.
a tese segundo a qual as trepanações feitas pelos cirurgiões pré-históricos tinham por finalidade a abertura de uma saída para os "maus espíritos" não se deve aos próprios cirurgiões pré-históricos que as fizeram, mas sim a Broca, um médico francês do Séc. XIX, que, tanto quanto eu sei, nunca terá falado com eles.

a prática da trepanação, à qual muitos dos operados sobreviveram, estava muito difundida na França Meridional, na Cultura do Sena-Oise-Marne, no estuário do Tejo e na área geográfica da "Civilização" Megalítica; quero dizer, além do Sudoeste de França, as Ilhas Britânicas e a Região Galaico-Portuguesa.
não vai há cem anos que a trepanação era feita por pastores alemães e montenegrinos nos seus animais com epilepsia e outras disfunções neurológicas. e, pela mesma época, um indígena da Oceania gabava-se de ter feito mais de duzentas trepanações no gado.


José Leite de Vasconcelos escreveu, em 1897: "a hipótese de que com a trepanação pré-histórica se expulsava da cabeça um elemento morbífico não é gratuita, apoia-se em factos de observação moderna. sem dúvida, em certos casos, a trepanação pode ser explicada cientificamente, e produzir efeitos satisfatórios, como, por exemplo, numa fractura de crânio quando os fragmentos cranianos, irritando ou comprimindo uma ou outra zona do encéfalo, causam imediatamente ou passado tempo, quer acidentes epileptiformes, quer fenómenos paralíticos, convulsões, contracturas, estado comatoso ou delirantes perturbações mentais".

a hipótese de Broca, sendo apenas a visão progressista e darwiniana do seu século, rapidamente se tornou certeza sem precisar de mais confirmação. bem disse Wittgenstein que estamos condenados a viver numa jaula de palavras. assim que saem da boca ou das pontas dos dedos, as palavras enredam-nos como teias de aranha, de onde passamos a vê-las como coisas.

que faziam esses cirurgiões pré-históricos das suas trepanações? que instrumentos utilizavam? sobre que porções da massa encefálica intervinham? e o que quer dizer "dar saída a espíritos", "a deuses", "a demónios"? não é desses temas que falam as vozes que atormentam os nossos psicóticos?

a Psico-Cirurgia moderna nasceu na primeira metade do séc. XX, pela mão de Egas Moniz e de Freeman. Egas Moniz mereceu por esse facto receber o Prémio Nobel da Medicina e da Fisiologia. com essa técnica pretendia tratar doentes mentais agressivos e violentes, possuídos por forças biológicas maléficas.
mas que diferença faz falar de "dar saída a espíritos malignos" ou "pacificar alienados agressivos e violentos", como pretendiam os pais da Psico-Cirurgia?

e já nos nossos dias, há cerca de 40 anos, surgiu uma espécie de seita cujos membros se fazem trepanar, no que acham grande expansão das suas capacidades mentais. falam eles da "abertura da terceira visão"...

ao olhar para trás, temos a tentação de interpretar os factos à luz de um paternalismo doentio, segundo o qual nos achamos mais capazes, mais inteligentes, mais hábeis, mais homens e mais mulheres que os nossos devanceiros - de cuja humanicidade duvidamos tanto mais quanto mais nos precederam no tempo.
mas eles, os antigos, não param de nos surpreender.
como dizia Rosalia,

"bem sei que nom hai nada novo
em baixo do ceo"...

sábado, 3 de março de 2007

os antergos (1)

já lá vão alguns anitos, mas ainda me lembro razoavelmente bem dos meus avós. em muitas coisas pareciam-se comigo. em muitas outras tinham mais sabedoria e sensatez. falavam dos avós deles como eu falo dos meus: sempre mais sábios, sempre mais sensatos. em resumo, nós, os do tempo de agora, aprendemos sempre com os que chegaram primeiro.
mas não foi sempre assim. segundo nos dizem os que sabem, tempos houve em que os pais dos pais dos nossos pais eram macacos, desceram das árvores e, contra as leis da lógica, foram trabalhar para atopar alimentos, quando, simplesmente, os teriam ali, à mão de pegar.
eram eles uns trengos, toscos, parolos até dizer chega. incapazes de falar e já esquecidos de guinchar, os nossos antepassados mais antigos nem sequer emitiam sons. faziam uns riscos e rabiscos, que, não sendo entendíveis por nós, tamém muito menos eles os podiam entender.
passavam o tempo todo a caçar ou a recolectar, ou a fazer bifaces ou coup-de-poings. e a fazer filhos mais inteligentes do que eles, que por sua vez, faziam filhos ainda um bocadinho mais inteligentes. até que um dia um filho do filho do filho, já suficientemente inteligente, gritou, quando o pai chegava de uma caçada às cabras: "vou comer uma cabra toda, pra crescer e ser um homem!"
a criatura-pai não cabia em si de parvo com o desplante. porque de macaco a homem vai uma mudança de respeito. posto que ele, macaco, ainda não pudesse saber o que fosse essa coisa de ser homem. duvidou de semelhante paternidade. mirou a parceira de cima abaixo, da esquerda prá direita e da frente para trás e, no seu cérebro incapaz de ir mais além, imaginou que um ser sobressímio se havia aproveitado dos sonhos da sua consorte, enquanto havia durado a caça às cabras . mas não podia pôr na ordem aquele filho tão inteligente que até já era capaz de botar faladura.
e como ele, pai, ainda não era capaz de falar, ficou calado. envergonhado, botou fora os coup-de-poings que tinha feito e voltou para a vida de macaco.

sexta-feira, 2 de março de 2007

as causas das coisas

admiro-me, sinceramente, com as descobertas da ciência. não falo da tecnologia, refiro-me à ciência. estou estantío, abismado. afinal, o mundo não foi criado do nada pela ação de deus. com uma ingenuidade de morrer, foi criado do nada pelo big-bang. meus senhores, não serão uma e outra teoria a mesma coisa?
deus e big-bang não são duas palavras mágicas, com mesma magia (ou falta dela) e outra tanta hominidade?
o mesmo com a biologia molecular. andam por aí a dizer que a biologia molecular é um passo de gigante na descoberta da origem da vida. será? ou será que estamos exatamente no mesmo ponto? quero eu dizer na minha: o que é que mais uma explicação traz de novo à compreensão?
não avançamos nada em relação ao paradoxo das aulas de filosofia dos meus anos de estudante adolescente: "todas as causas têm uma causa precedente". "nada pode acontecer sem uma causa". "qual foi a causa primeira? "uma causa que não teve causa". "uma causa que é causa de si própria!". "deus!" - dizem uns. "o big-bang!" - dizem os mais up-to-date. ambos convencidos da mesma coisa: "há uma causa que escapa ao irrevogável destino das causas: terem uma causa". afinal de contas, um privilégio que não o pode ter o universo - vá lá o diabo saber por quê.
perdi tempo demais a descobrir aquilo que os nossos antergos já sabiam de cor e salteado: que o mundo, a natureza, é um mistério, um acontecimento por si mesmo, uma inteligência intrínseca e interna, um conjunto coerente de leis e de destinos. e que nós, os humanos, não temos inteligência que chegue para o abarcar. nem sequer topamos (eu também não) que tudo se resume a Einstein, mais coisa menos coisa: E=mc2. e desta equação, que não tem pai nem mãe, que existe porque sim, deriva tudo quanto há para derivar: mais matéria, menos energia; menos energia, mais matéria. desde sempre e para sempre.
chega para dar razão aos antigos, aos que viam na natureza a verdadeira mãe. e que, candidamente, lhe prestavam o devido carinho e lhe pediam abrigo e proteção.
não avançámos nada. estamos no mesmo sítio. só inventámos palavras novas.
e já nem sequer somos feiticeiros, porque já não passamos de aprendizes.


quarta-feira, 28 de fevereiro de 2007

"Quando da Etherea Gávea Hum Marinheiro"

agora me dei conta. não se pode ser original. há demasiados homens e mulheres que nos antecederam e já pensaram, sentiram e sonharam tudo o que havia para pensar, para sentir e pra sonhar. quando caimos em nós, já outros disseram o mesmo. até isto que estou escrevendo já o disse Rosalia de Castro: "e ben, para que escribo? e ben, porque asi semos, relox que repetimos eternamente o mesmo..." mas não vou mudar o título do blogue só porque, afinal, se parece com o ex-libris de Egas Moniz, o nosso co-Nobel da Medicina. ele foi ele, eu sou eu. a única coisa que temos em comum é ele poder dizer, se ainda fosse vivo: "ele é ele e eu sou eu".

editorial