quarta-feira, 21 de novembro de 2007

o cozinheiro do Grande Hotel

um Tribunal de Apelação confirmou a sentença do juiz de 1ª Instância, que absolvia um hotel do crime hediondo de despedimento de um cozinheiro seropositivo. e patati-patatá, um país do terceiro mundo, uma vergonha nacional, a cauda da Europa e assim por diante.
eu, por mim, agradeço à Justiça portuguesa a prova de bom senso que acabou de dar, não embarcando no pensamento politicamente correto. é que o caso não é assim tão simples.
em primeiro lugar, o seropositivo é cozinheiro e, que diabo!, um cozinheiro de hotel seropositivo é um golpe de morte no prestígio de qualquer unidade hoteleira. adorava ver essa gente prafrentex ir toda a correr ao dito hotel exigir um jantar preparado pelo senhor cozinheiro seropositivo. quando essa manifestação de solidariedade e confiança na saúde pessoal e pública acontecer, pronto, calo-me, já cá não está quem falou, estamos num país do primeiro mundo, seja lá isso o que for.
é que, se não forem, é porque a conversa é só da boca pra fora, mais nada. serão tão medrosos e tão preconceituosos como aqueles que assumem ter medo ou desconforto de uma tal situação. e serão um bando de hipócritas bem pensantes, do género não há perigo nenhum, é uma discriminação, mas ir lá é que eu não vou. serão hipócritas e um bando de irresponsáveis.
em segundo lugar, o homem não é apenas seropositivo, está doente, teve tuberculose, enfim, aquelas coisas que acontecem a quem já não é só seropositivo.
em terceiro lugar, a discriminação está em ser só o seropositivo, presumo para o VIH (já que há outras seropositividades), o alvo deste pensamento antidiscriminatório. porque nunca vi ninguém falar ou indignar-se por se despedir um cozinheiro com febre tifóide, tinha, hepatite, tuberculose, lepra, bicha solitária ou sarna.
em quarto lugar, foi um médico à televisão explicar que, vocês sabem, a coisa não se transmite, se se transmite é muito raramente, e se mesmo assim se transmite, tem um tratamento que consiste em reduzir a virémia, melhorar a qualidade de vida, reduzir o risco de contágio, essas coisas todas. logo - remata -, o nosso cozinheiro seropositivo merece uma compensação, merece ser ressarcido, merece uma indemnização. pois. mas, então, em que ficamos: o homem não pode ser discriminado porque não tem doença, ou se tem doença não é uma doença grave, ou, se é uma doença grave, é uma doença de luxo - e, então, tem que ser readmitido, ponto final e acabou; ou o homem não pode ser readmitido porque, enfim, tem uma doença que se pega, do género eu pelo menos não ia comer a esse hotel, e o patrão tem razão em despedi-lo, só que sem justa causa, já se vê, isto é, tem que o indemnizar?
e quando é que levamos a sério o VIH?

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