sábado, 19 de janeiro de 2008

carta a uma mãe desesperada

a senhora está farta, cansada, desesperada.
uma filha inerte, dependente, presa à vida pelos penosos cuidados que a senhora lhe dá.
ela vive porque a senhora a trata, porque a lava, porque a alimenta, porque a muda de posição várias vezes por dia.
uma filha a quem a senhora tem amor, um amor que toca as fronteiras do infinito. um amor revoltado, necessitado de compreensão e de ajuda para não se transformar em ódio. ódio que, de qualquer modo, traduzirá uma relação de afeto incontornável.
deu o alerta. chamou a atenção de todos nós. fez o seu papel.
mas meteram-na numa guerra que não é a sua.
eu não acredito que a senhora pense que matar-lhe a filha seja a solução. mas é isso que eutanásia quer dizer. com uma diferença: é matá-la sob a cobertura de um ato médico, de um procedimento hospitalar. ou seja, é matá-la sem que a senhora se sinta culpada de a matar. lava daí as suas mãos: "seriam eles a matá-la, não eu!"
como estão a enganá-la, minha senhora!
já lhe chega o vazio que sentirá quando a sua filha, finalmente, morrer de morte natural. um vazio impreenchível, que tem levado tantas mães ao suicídio. e à senhora estão a ensombrar-lhe ainda mais esse vazio com a culpabilidade de participar nesta farsa de campanha que não é sua.
não lhe dão tréguas, não tomam conta da sua filha, não lhe facilitam os cuidados, não assumem a despesa física, emocional e financeira de tão terrível destino.
dizem-lhe simplesmente que a solução é a eutanásia. levam-na à televisão, fazem de si uma heroína de uma luta que não é a sua.
a senhora não é uma pseudo-intelectual, não é uma Barbie dessas, não é uma burguesa bem pensante, não é uma mente politicamente correta. é, simplesmente, uma mãe desesperada.
quer ajuda, não quer a morte. nem a da sua filha nem a sua, pouco tempo depois.
tenha cuidado, porque aquilo que lhe estão a oferecer é a morte, não é a vida.
aquilo que lhe estão a oferecer é o suicídio.

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