quarta-feira, 18 de junho de 2008

os saberes do nosso tempo

já não sou um fresco exemplar de juventude. os anos que tenho, se ninguém mos dá tamém ninguém mos tira. certo é que dou comigo, volta e meia, a prevenir as ideias com o estribilho: "no meu tempo..."
com isso, não quero dizer que este tempo de agora não seja meu, quero talvez dizer que há um tempo meu que já não é da gente mais de agora.

isto para me pasmar com a grotesca ignorância da gente de hoje. sabem quase tudo o que é técnica, quase tudo o que é ciência, ou lá como lhe chamam, mas não sabem rigorosamente de mais nada. de história, nada. de geografia, nada. de filosofia, menos. de literatura, népias. pensamento próprio, nem pensar. quase não posso falar com eles sem me sentir uma fastidiosa enciclopédia de saberes inúteis. uma espécie de egípcio embalsamado do tempo dos faraós.
o problema é que isto não é inofensivo nem benéfico. "no meu tempo", um médico, por exemplo, era um filósofo, um sábio, muitas vezes um escritor, sempre alguém que via no enfermo o "outro", um ser humano com uma história, um significado, uma cultura, uma família, um linguajar, uma originalidade irrepetível, uma graça, um refrão, uma modinha, um dito, uma reflexão desconhecida, uma religião, sei lá. aprendiz do ser, das almas e das dores, o médico era um "doutor", à letra: "aquele que ensina".
hoje, não há médico que saiba de onde vem a palavra "medicina" ou a palavra "doutor". e com isso escusa ele de saber que já não sabe que chegue para ensinar ninguém e, melhor ainda, escusa de se gabar de ser um mago da Média, região de onde vinham os sábios doutores nas artes mágicas de curar todos os males.
hoje, um médico é uma pessoa vulgar, que a mais que os outros tem apenas aquele chipe com o que de mais "relevante" existe para saber no ramo tecnológico das doenças. doente? qual doente? qual pessoa, qual terra, qual região, qual história, qual significado pessoal, qual criatividade, qual originalidade? é apenas um amontoado de sintomas e de resultados de análises e exames técnicos, que os médicos de agora são ensinados a reunir e organizar sem nada que ver com o destino humano.
o doente deixou de ser uma pessoa. hoje, é uma máquina avariada ou com defeito de fabrico que é preciso compor ou reparar. e da qual já se fala até em deitar fora assim que deixe de ter préstimo.
sempre que me lembro de Abel Salazar, sinto um calafrio imenso: "o médico que só sabe Medicina nem Medicina sabe."
tenhem toda a razão aqueles que já nem querem tratar os médicos por "doutor". um doutor que sabe tão nada como é que pode ensinar seja quem for?
e falo dos médicos porque são o escândalo mais inesperado e doloroso. da sabedoria pessoal dos técnicos das outras artes e manhas nem vale a pena falar.

Sem comentários: