segunda-feira, 30 de junho de 2008

o castigo exemplar

ouve-se muito falar de castigo exemplar. ora, em geral, as leis preveem os atos considerados crime e a pena julgada adequada e suficiente. e se os não preveem, faça-se lei que os tipifique e castigo que os pague. ponto final. mas volta e meia regressa o castigo exemplar. é um momento politicamente fraco, é uma debilidade especial deste ou daquele governo, é a mania de um político, é uma ameaça social inesperada, sei lá, o certo é que o castigo exemplar vem em certos momentos e não noutros.
não é matéria nova. já os antigos impérios e as antigas monarquias usavam o castigo exemplar como afirmação do seu poder e da sua força. o pobre infeliz que cometesse, ou fosse tido por cometer, um ato politica ou socialmente inoportuno sujeitava-se a pagar pelo ato supostamente cometido e, acima de tudo, pela possibilidade de outros cometerem um ato semelhante.
resumindo: o castigo exemplar não é um castigo, mas sim um ato de poder exemplar. não é de justiça que se trata, pois que a justiça trata por igual o que é igual. o castigo exemplar é uma discriminação, um abuso, uma injustiça exemplar.
fazer a pena maior que o ato, para que o ato não se torne exemplo, não é justiça. é poder, é arbitrariedade, é injustiça e medo.

já o dizia Cícero, "é preciso ter cuidado para que a pena não seja maior do que o crime".



quarta-feira, 18 de junho de 2008

os saberes do nosso tempo

já não sou um fresco exemplar de juventude. os anos que tenho, se ninguém mos dá tamém ninguém mos tira. certo é que dou comigo, volta e meia, a prevenir as ideias com o estribilho: "no meu tempo..."
com isso, não quero dizer que este tempo de agora não seja meu, quero talvez dizer que há um tempo meu que já não é da gente mais de agora.

isto para me pasmar com a grotesca ignorância da gente de hoje. sabem quase tudo o que é técnica, quase tudo o que é ciência, ou lá como lhe chamam, mas não sabem rigorosamente de mais nada. de história, nada. de geografia, nada. de filosofia, menos. de literatura, népias. pensamento próprio, nem pensar. quase não posso falar com eles sem me sentir uma fastidiosa enciclopédia de saberes inúteis. uma espécie de egípcio embalsamado do tempo dos faraós.
o problema é que isto não é inofensivo nem benéfico. "no meu tempo", um médico, por exemplo, era um filósofo, um sábio, muitas vezes um escritor, sempre alguém que via no enfermo o "outro", um ser humano com uma história, um significado, uma cultura, uma família, um linguajar, uma originalidade irrepetível, uma graça, um refrão, uma modinha, um dito, uma reflexão desconhecida, uma religião, sei lá. aprendiz do ser, das almas e das dores, o médico era um "doutor", à letra: "aquele que ensina".
hoje, não há médico que saiba de onde vem a palavra "medicina" ou a palavra "doutor". e com isso escusa ele de saber que já não sabe que chegue para ensinar ninguém e, melhor ainda, escusa de se gabar de ser um mago da Média, região de onde vinham os sábios doutores nas artes mágicas de curar todos os males.
hoje, um médico é uma pessoa vulgar, que a mais que os outros tem apenas aquele chipe com o que de mais "relevante" existe para saber no ramo tecnológico das doenças. doente? qual doente? qual pessoa, qual terra, qual região, qual história, qual significado pessoal, qual criatividade, qual originalidade? é apenas um amontoado de sintomas e de resultados de análises e exames técnicos, que os médicos de agora são ensinados a reunir e organizar sem nada que ver com o destino humano.
o doente deixou de ser uma pessoa. hoje, é uma máquina avariada ou com defeito de fabrico que é preciso compor ou reparar. e da qual já se fala até em deitar fora assim que deixe de ter préstimo.
sempre que me lembro de Abel Salazar, sinto um calafrio imenso: "o médico que só sabe Medicina nem Medicina sabe."
tenhem toda a razão aqueles que já nem querem tratar os médicos por "doutor". um doutor que sabe tão nada como é que pode ensinar seja quem for?
e falo dos médicos porque são o escândalo mais inesperado e doloroso. da sabedoria pessoal dos técnicos das outras artes e manhas nem vale a pena falar.

sexta-feira, 13 de junho de 2008

o presidente da raça

além dos problemas que já temos e nos sobram, ganhámos outro: o presidente já não é de todos os portugueses, daqueles que votaram nele e daqueles que têm a obrigação democrática de o gramar: agora, é só daqueles portugueses que têm raça. não sei que raça, porque o senhor presidente esqueceu-se de o dizer. de jeito que ficámos todos na dúvida: será que eu sou da raça ou deixei de ser português?
é certo que eu não entendo por que carga de água o dia de Portugal tenha que ser o dia de Camões. estou farto de Camões. é um poeta que eu conheço, não porque tenha gostado, mas porque me obrigaram a encorná-lo, a dividir-lhe as orações, a traduzi-lo para Português vulgar. estou cansado de Camões, é deprimente falar de Camões, falar das Descobertas, falar do século XVI. parece que morremos como Povo no Séc. XVI!
e se o dia de Portugal fosse hoje, 13 de Junho, data do nascimento de Fernando Pessoa? afinal, o poeta que disse: "a minha Pátria é a Língua Portuguesa".

segunda-feira, 9 de junho de 2008

change: can we believe in?

faz este ano, respetivamente, 40 e 45 anos que foram assassinados Robert e John F. Kennedy. traziam com eles a promessa de mudança. um morreu na corrida, o outro já no seu posto de Presidente americano.

uma América quer mudar, anseia que a oiçam, grita que a vejam.
mas uma outra, subterrânea, oculta, poderosa, impede que o sistema seja alterado por dentro.
dos três candidatos atuais à Presidência, um faz da mudança o lema e a bandeira. o outro é um velho surdo físico e mental. e finalmente a outra, se nomeada vice-presidente, pode bem vir a ser a primeira mulher Presidente dos Estados Unidos da América do Norte.
pois. é que eu não sei se as armas silenciosas e cobardes se calaram para sempre. se a América amadureceu o suficiente para tamanha mudança.
mesmo que Obama ganhe folgadamente os votos da América. da que deseja mudar, bem entendido.
......................................................................
nota: é claro que falhei rotundamente na previsão do vice-presidente. mas será que falhei no resto da profecia?
imagem: www.javno.com