terça-feira, 6 de novembro de 2012

o homenzinho muito inho

havia um homenzinho muito inho que chefiava uma espelunca. quando ele chegou à espelunca não havia mais ninguém que a pudesse chefiar, pelo que o homenzinho muito inho ficou chefe, assim sem mais nem menos. naquela espelunca fazia-se todo o género de falcatruas, porque era uma espelunca oficial, e nas espeluncas oficiais era mais fácil fazer falcatruas. quando havia obras ou aquisições na espelunca, fazia-se um concurso, nomeava-se sempre os mesmos júris e ganhavam sempre os mesmos concorrentes. de jeito que algumas telhas, mosaicos, madeiras, ferros, vidros, fios elétricos, argamassas e tijolos iam parar, misteriosamente, às casas dos membros dos júris. toda a gente sabia disso e falava do assunto à boca pequena, mas se lhes perguntavam diretamente alguma coisa aí já não sabiam de nada, que é por causa. e a coisa continuava e até dava jeito a muita gente.
o homenzinho muito inho era um ditador, rancoroso e vingativo, mas não era por mal. hoje dava uma ordem, amanhã dava a contrária e todos tinham que obedecer cegamente, como se toda a ordem e o seu contrário fizessem o mesmo sentido. e se alguém lhe apontasse algum defeito ou assim, quer dizer, se alguém o criticasse, o homenzinho muito inho esperava pacientemente a hora em que pudesse atacar. nunca atacava de frente, porque era demasiado pequeno para atacar de frente. mas assim que tivesse uma pentelhice legal, uma deconhecida ou insignificante formalidade burocrática por onde atacar, atacava. escrevia ou mandava escrever cartas anónimas ao ministro das espeluncas, que logo instaurava o respetivo processo com toda a pompa e circunstância próprias de um ministro das espeluncas.


o homenzinho muito inho sofria de uma coisa a que chamava enxaquecas. sempre que tinha de tomar parte numa reunião do ministério, de uma direção-geral ou de um conselho regional ou local do ministério das espeluncas, tinha um ataque de enxaqueca, de jeito que nunca ninguém soube ao certo o que o homenzinho muito inho pensava a respeito fosse do que fosse, porque as enxaquecas o impediam de exprimir um pensamento, mesmo muito pequeno.
o homenzinho muito inho era sempre um grande entusiasta do partido que estivesse no governo, mas só até que os meteorologistas da política indicassem que ia haver mudança de ventos. aí punha-se a jeito para agarrar os novos ventos e estava sempre do lado do partido que interessava.
um dia, o homenzinho muito inho desapareceu, por força da idade ou assim. nunca mais ninguém ouviu falar nele. e nem os membros dos júris dos concursos de obras e aquisições que se faziam na espelunca quiseram saber se estava muito vivo ou muito morto.
era um bom homem.



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