domingo, 5 de fevereiro de 2012

a velhice que estamos a criar

aqui há dias, estava eu muito descansado, a fumar o meu cigarro, de castigo à porta do café, quando chega um velhote com fome de conversa e me lança este provérbio: "janeiro geoso, fevereiro ventoso, março frio e abril chuvoso fazem o ano formoso". ouvi-o atentamente, porque nunca se perde nada em falar com alguém mais velho do que nós. e patati e patatá e foi um prazer falar consigo. fico contente que tenha sido para ele um prazer falar comigo. mas pesa-me essa necessidade compulsiva de meter conversa com alguém que não se conhece de lado nenhum. a solidão dos velhos começa a ser um escândalo nacional. se calhar não adianta botar as culpas a ninguém. é, simplesmente, um sinal dos tempos. e tenho para mim que pior que estes velhos solitários ainda estão aqueles que vivem reclusos em cadeias a que chamam "lares de idosos". obrigados a pedir licença para tudo. presos pelo crime de serem velhos. obrigados até, por recente opção do nosso governo, a partilhar as suas celas, perdão, quartos, com mais um um ou dois presos, além dos companheiros de quarto habituais até aqui.
em 2012, até ao momento, em Lisboa, já foram encontrados mortos em suas casas cerca de duas dezenas idosos. e em 2011 os bombeiros da capital encontraram cerca de 80 idosos mortos em casa. é caso para dizer que todos estes idosos são encontrados mortos porque ninguém se interessou antes por encontrá-los vivos.
os velhos desataram a morrer sozinhos. todos os dias se descobre mais um, mais dois...não sei se morrem numa solidão escolhida se morrem numa solidão imposta. para uns será assim, para outros não. seja como for, está em causa uma profunda patologia da afetividade, dos laços de parentesco e dos laços de pertença: eles, esses velhos, ou perderam laços que não souberam preservar, ou foram-lhe cortados os laços que gostariam de manter.
é a sociedade que estamos a criar, a velhice que estamos a construir. já não sei para que serve o aumento da esperança de vida, que nos conduz a uma velhice destas. vivemos para o presente, até que damos conta que o futuro, a consequência de todos os presentes, já chegou.

Sem comentários: