terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Pinóquio, um boneco cheio de surpresas

todos ouvimos falar de Pinóquio, o boneco a quem o nariz crescia à medida das suas mentiras. um nariz que, estando muito na moda, alguns autores da escola psicanalítica tendem a confundir, de forma simplista, com uma mera manifestação fálica. por outro lado, o seu amigo Grilo Falante tem sido também objeto de interpretações simplistas, tornando-se, em certos meios, um protótipo do moralista hipócrita. mas, tanto o nariz de Pinóquio como o Grilo Falante, ainda que carregados de significado, são apenas uma parte menor das particularidades da estória do boneco de Geppetto.
começa tudo pelo nome: Pinóquio. este nome, no italiano toscano de Collodi – o autor da estória – significa “pinhão”, mas pode ser também uma palavra composta, onde entra “pin-“ e “occhio”, sendo que “pin-“ se pode referir a “pinheiro”, “pino” e pineal”, e “occhio” a “olho”. além disso, o narrador da estória explica-nos que o nome lhe foi sugerido por uma conhecida e vasta família de “Pinóquios”, da qual “o mais rico de todos pedia esmola”. isto lembra uma comunidade de tipo monástico ou outra, em que um dos frades é encarregado de recolher os donativos.
isto é, o nome “Pinóquio” não é fruto do acaso ou da arbitrariedade literária. assim como não é casual nem arbitrário o nome Mestre Cereja, que em italiano, “ciliegia”, pode ser um trocadilho com “cílios egípcios” – as pestanas egípcias, o olho de Hórus.
Collodi, pseudónimo literário do verdadeiro autor, Carlo Lorenzini, é ele mesmo significante: os “colódios” (collodi) são soluções viscosas de piroxilina numa mistura de álcool e éter, às vezes nalgum outro solvente, usadas principalmente em terapêutica ou em fotografia pré-digital. é neste último sentido que entendo o significado do pseudónimo, tanto mais que era esse o processo de obter fotografias já no tempo de Collodi. quer dizer, Collodi é, pois, alguém que mostra ou revela simultaneamente dois aspetos da mesma realidade, pois que uma caraterística importante dos colódios é a sua dualidade, o facto de simultaneamente serem positivos (quando sobre um fundo escuro) ou negativos (quando vistos à transparência). tudo isto apesar de o autor ter atribuído a inspiração para o pseudónimo ao nome da terra natal de sua mãe.
mas vamos à estória. tudo começa com uma canhota de “madeira”, um pedaço informe de uma substância primordial que em Latim se diz “materia” e que em Português deu as palavras “matéria” e “madeira”. ora, os mestres que trabalham a madeira (materia) chamam-se “carpinteiros” – como o São José da biografia corrente de Jesus menino, esse São José que emigra com toda a família para o Egito, até que o filho faça 12 anos e se torne capaz, quando regressa à pátria, de discutir em pé de igualdade com os doutores.
o primeiro dono daquele pedaço de matéria bruta (madeira), o Mestre Cereja ou Olho de Hórus, como vimos, era um carpinteiro, sim senhor, mas tinha o estranho passatempo de “ensinar a tabuada às formigas”. Que é como quem diz, iniciava os noviços da sua Ordem (as “formigas”) nas ciências da Matemática. posso imaginá-lo na posição egípcia, sentado, com os braços colados ao tronco, as mãos poisadas sobre os joelhos. podemos até imaginá-lo a brincar com os teoremas e paradoxos da aritmética e da geometria da ciência egípcia, transmitida aos gregos da Idade Clássica.

Mestre Cereja, oferece a canhota de madeira a Geppetto, pai e criador de Pinóquio. e mais uma vez, o nome escolhido está longe de ser arbitrário. Geppetto é um diminutivo de Giuseppe, José (o carpinteiro de Nazaré, o que emigrou para o Egito – a pátria da Sabedoria superior). e as suas consoantes GPT apontam uma vez mais para o país do Nilo.
voltemos à estória: seria aquela canhota de madeira um simples pedaço de matéria bruta, fria, inanimada? logo se vê que não: a canhota surpreende-nos porque geme, queixa-se, aplaude e até provoca uma luta de mestres. moral da estória, é uma matéria bruta animada, capaz de potencialidades, de se transformar e evoluir. Pinóquio é um poço de boas intenções, animado de boa índole, mas é também irrequieto, traquina, mentiroso, estouvado, volúvel, influenciável e impulsivo. o nariz erétil, mais que um símbolo fálico ou um atributo dos mentirosos, é um sinal de alarme, que a cada momento lhe mostra a diferença entre as boas intenções e as forças ainda não domesticadas da sua natureza em bruto que o impedem de as por em prática. tão depressa ouve o Grilo Falante da Consciência, como logo se esquece dos seus conselhos. precisa de evoluir, crescer por dentro, pacificar-se, aperfeiçoar-se, domesticar-se, até ser um “menino a sério”. mas para isso vai necessitar da proteção ou assistência da boa fada madrinha, que só no fim da caminhada o pode dotar da verdadeira vida.
Pinóquio tem de fazer a travessia da vida. vai para a escola, em busca do Conhecimento. mas depressa as tentações da vida se atravessam no seu caminho. interrompido pela raposa e pelo gato, é atraido pelo o fascínio dos bens materiais e da fama fácil. deixa-se enganar no conto do vigário, julgando poder semear a árvore das patacas. vende os livros que seu pai criador lhe havia comprado com a venda do próprio casaco. e com o dinheiro da venda dos livros compra um bilhete para assistir a um teatro de fantoches, acabando por fazer parte integrante do espetáculo. uma vez mais, o fascínio da fama e do brilho enganador dos palcos deste mundo.
noutro momento da sua caminhada, Pinóquio é atraído para a ilha da felicidade, um lugar sem escola e sem leis, ou seja, sem conhecimento e sem moral, onde as crianças podem fazer tudo o que lhes der prazer - uma metáfora da vida moderna, onde reina a gratificação imediata, a satisfação dos impulsos, o hedonismo e o desprezo pelo conhecimento verdadeiro. os rapazes dessa ilha, e com eles Pinóquio, acabam transformados em burros, isto é, em alguém que não consegue sair das teias do reino da matéria.
Pinóquio volta para casa mas a casa está vazia. descobre que Geppetto foi engolido por uma baleia. em busca do pai, é ele também engolido pela baleia, nas entranhas onde mergulha na escuridão da gruta iniciática, e, encontrando o seu Criador, se prepara para receber, finalmente, a verdadeira luz da vida.

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